Nos últimos dias, tenho visto circular a versão de que a ACE Guarulhos teria sofrido uma “intervenção” judicial por suposta má administração. Essa narrativa, além de conveniente para quem deseja colher dividendos eleitorais, não corresponde ao que está escrito na decisão.
O processo em questão é uma ação de obrigação de fazer para regularização do processo eleitoral, em que se discutem regras e atos do pleito, e não uma ação voltada a apurar “gestão temerária” (expressão repetida por alguns como slogan).
O ponto central, ignorado por quem prefere fabricar manchetes, é simples: a administradora provisória não foi “imposta” por um lado contra o outro. Houve acordo.
A decisão é explícita ao afirmar que as partes chegaram a consenso: “as partes … apresentaram petição conjunta … informando que, após tratativas, alcançaram consenso quanto à indicação” da Sra. Emilene Márcia Ferreira da Silva. Mais adiante, o magistrado reforça que essa fase do processo é marcada por convergência: “a presente fase processual é marcada pela convergência de interesses das partes na busca por uma solução”.
E vai além ao qualificar o comportamento processual como cooperativo: “As partes, em um louvável exercício de cooperação processual, … apresentaram indicação conjunta para o cargo de Administradora Provisória”.
Portanto, se alguém tenta vender a ideia de que a administradora provisória seria “troféu” da oposição ou “prova” de má gestão, está — no mínimo — desvirtuando o conteúdo literal da decisão.
A decisão também é clara ao explicar por que se discutiu administrador provisório: o risco de vacância administrativa diante do fim do mandato e da suspensão das eleições. O juiz registra “a pertinência da preocupação com a vacância administrativa da entidade, especialmente diante do término iminente do mandato da atual diretoria”.
Ou seja: a nomeação foi construída no contexto de transição e cumprimento de exigências para refazer o processo eleitoral, não como punição por “má administração”. O próprio texto destaca que a nomeação buscaria “a reorganização do processo eleitoral com a máxima lisura e transparência”.
O juiz fundamenta a medida no art. 49 do Código Civil e o reproduz: “Se a administração da pessoa jurídica vier a faltar, o juiz, a requerimento de qualquer interessado, nomear-lhe-á administrador provisório”.
A ação tem objeto eleitoral. O juiz pode (e deve) impor obrigações para corrigir o processo: comissão eleitoral, regimento, prazos, lista de associados, cessação de propaganda irregular, plano do novo pleito — tudo isso, aliás, foi descrito como atribuições do administrador. Porém, do ponto de vista processual, o magistrado deve atuar dentro dos limites do pedido e da causa de pedir.
Quando o Judiciário, em um processo cujo núcleo é “regularização do processo eleitoral”, decide pela assunção geral da gestão por administradora provisória (“assuma imediatamente a gestão da Associação”), abre-se espaço para discutir extrapolação do objeto. Em linguagem técnica: há indícios de decisão extra petita, em tensão com o princípio da congruência (o juiz decide nos limites do que foi pedido).
Em termos diretos: o caminho mais adequado seria o juiz obrigar a atual administração a cumprir requisitos eleitorais, sob multa e fiscalização. Se houvesse descumprimento, a intervenção deveria se limitar ao processo eleitoral (por exemplo, substituição de comissão eleitoral e medidas de controle do pleito). A administração geral, por sua vez, só faria sentido como solução de transição após o término do mandato, justamente para evitar a vacância que a decisão aponta como preocupação.
A associação e seus associados merecem debate sério. Quando se tenta transformar uma solução consensual — descrita pelo próprio juiz como “convergência de interesses” e “indicação conjunta” — em narrativa de “intervenção por má gestão”, o que se busca não é esclarecer, mas confundir.
Por isso, minha recomendação é objetiva: leiam a decisão e não se deixem conduzir por slogans. Em eleição, a disputa é legítima. O que não é legítimo é usar inverdades para “ganhar no grito” aquilo que deve ser conquistado no voto — e com a realidade dos autos à mesa.



