A condenação do ex-vereador Gabriel Monteiro (PL-RJ), ocorrida em 2023, na qual foi determinado o pagamento de R$ 20 mil a título de indenização a um médico que ele filmou em horário de repouso em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) no Rio de Janeiro, lança luz sobre a necessidade de compreender os limites da atuação parlamentar e a proteção dos direitos dos profissionais de saúde. Proferida pela 22ª Vara Cível do Rio de Janeiro, a decisão é exemplar no sentido de garantir a dignidade profissional, combater práticas abusivas e reafirmar a importância de normas protetivas que regem o exercício médico e demais profissões.
A legislação brasileira, em consonância com tratados internacionais de direitos humanos e trabalhistas, estabelece uma série de normas que asseguram condições dignas de trabalho para os profissionais da saúde. O descanso regular durante os plantões, por exemplo, é garantido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e reforçado por Resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM), que dispõe sobre a jornada de trabalho e os intervalos necessários para preservar a integridade física e mental dos médicos. Esses períodos de repouso não são privilégios, mas sim direitos fundamentais que asseguram não apenas a saúde dos trabalhadores, mas também a qualidade do serviço prestado à população.
No caso em questão, Gabriel Monteiro, sob a justificativa de fiscalizar o serviço público, filmou o médico em seu horário de repouso, expondo-o de maneira vexatória nas redes sociais. Em sua decisão, o juiz Luiz Eduardo de Castro Neves afirmou que o então vereador agiu de maneira irresponsável e desrespeitosa, ignorando a legislação vigente e utilizando sua posição pública para incitar discursos de ódio contra os profissionais da saúde. A sentença destaca que a conduta do réu, amplificada pelo alcance das redes sociais, não apenas causou danos morais ao médico, mas também fomentou uma atmosfera de hostilidade contra toda a categoria, com impactos negativos para as instituições de saúde.
O magistrado, ao proferir sua decisão, enfatizou que “a gravidade do fato é aumentada por se tratar de um vereador, que deve ter conduta respeitosa e adequada em razão do importante cargo que ocupa, ao invés de dele se valer para ameaçar e constranger indevidamente pessoas que estão trabalhando.” Essa observação é de fundamental importância para estabelecer a necessidade de uma atuação ética e respeitosa por parte dos representantes eleitos.
Infelizmente, esse caso não é isolado. Há registros de vereadores em outras localidades, como Kleber Ribeiro, de Guarulhos, também do Partido Liberal (PL), adotando práticas similares. Tais parlamentares, sob o pretexto de fiscalizar o serviço público, promovem atos de exposição midiática sensacionalista que ultrapassam os limites de suas funções e ferem direitos fundamentais. A confusão entre o papel institucional do vereador e a figura de um “influenciador digital” com tendências punitivistas é uma distorção preocupante, que deve ser combatida para resguardar a dignidade das pessoas envolvidas e preservar a integridade das instituições públicas.
Do ponto de vista técnico, é imprescindível destacar que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, determina que a Administração Pública deve ser pautada pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Os vereadores, enquanto agentes públicos, estão vinculados a esses princípios e não possuem prerrogativa para agir de maneira arbitrária ou promover constrangimentos públicos. Suas atribuições legislativas e fiscalizadoras devem ser exercidas dentro dos limites da lei e em estrito respeito à dignidade das pessoas.
Ademais, o Código Penal, em seu artigo 139, criminaliza a difamação, definida como a imputação de fato ofensivo à reputação de alguém, enquanto o artigo 140 trata da injúria, ofensa à dignidade ou ao decoro de outrem. Além disso, o Código Civil, em seus artigos 186 e 927, prevê a reparação por danos morais e materiais decorrentes de atos ilícitos, como os que ocorreram neste caso.
A decisão judicial de 2023 também reforça a importância do direito à imagem, consagrado no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, que protege a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, assegurando a devida indenização em caso de violação. Profissionais que se vejam expostos de maneira vexatória ou difamatória, seja por agentes públicos ou particulares, devem buscar a reparação judicial como forma de proteger sua dignidade e coibir a repetição dessas práticas.
Em caso semelhante em Campinas, o Cremesp respondeu prontamente com ações efetivas e decisivas. Foi solicitado o encaminhamento de um requerimento formal à Corregedoria da Câmara Municipal de Campinas, com o objetivo de abrir uma apuração ética rigorosa, que poderá resultar na cassação do vereador envolvido no caso. Além disso, um pedido foi apresentado ao Ministério Público para a instauração de inquérito, considerando a gravidade da situação e a invasão de competências que o episódio representa. O Conselho também levará a questão ao Poder Judiciário, buscando, inclusive, uma medida liminar que iniba a repetição de condutas semelhantes contra outros médicos em todo o estado de São Paulo.
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) emitiu uma recomendação formal dirigida aos Poderes Executivo e Legislativo de Tamandaré, visando coibir práticas arbitrárias de ingresso de vereadores em unidades de saúde. O objetivo central da medida é assegurar o respeito às normas sanitárias e resguardar a saúde e a integridade física de pacientes e profissionais que atuam nesses espaços, garantindo, assim, o cumprimento do ordenamento jurídico.
De acordo com o MPPE, a realização de inspeções ou fiscalizações por parte de vereadores não justifica o acesso irrestrito a hospitais, postos de saúde ou outras repartições públicas, especialmente quando realizado sem agendamento ou comunicação prévia. O Promotor de Justiça Júlio César Elihimas enfatizou, em sua análise jurídica, que tal conduta não encontra respaldo legal. Ele destacou que o ingresso arbitrário, em qualquer horário do dia ou da noite, com a presença de câmeras e seguranças, configura uma afronta às normativas vigentes e compromete a ordem e a funcionalidade das instituições públicas.
Nesse sentido, o MPPE determinou que os vereadores de Tamandaré se abstenham de adentrar unidades de saúde sem a devida autorização prévia, sob o argumento de fiscalizá-las. As fiscalizações, quando necessárias, deverão ser realizadas mediante solicitação formal e agendamento prévio, cabendo ao prefeito local organizar e acatar tais pedidos. Ainda, o Ministério Público recomendou que, em tais situações, as visitas sejam sempre acompanhadas por profissionais da área de saúde, devidamente equipados com Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), de modo a garantir a segurança e a observância das normas sanitárias.
A recomendação também estabelece limites claros às atividades de fiscalização, proibindo expressamente a captação de imagens de profissionais e usuários sem o consentimento dos envolvidos. Além disso, o acesso a áreas restritas, como salas de atendimento ou enfermarias, somente poderá ocorrer mediante autorização do médico responsável, preservando a privacidade e o bem-estar dos pacientes.
No que tange à atuação da força policial, o MPPE orientou o comandante da Polícia Militar de Tamandaré a não atender a solicitações de acompanhamento por vereadores em visitas motivadas por fiscalizações nas unidades de saúde. A presença policial nesses locais deverá ser restrita a situações em que haja comunicação de prática de crime ou cumprimento de ordem judicial. Caso ocorram tumultos, discussões ou até mesmo agressões físicas em decorrência dessas incursões, a Polícia Militar deverá enviar viaturas ao local para manter a ordem e conduzir os envolvidos à Delegacia de Polícia, onde será realizada a apuração das condutas e possíveis responsabilizações.
Diante das situações analisadas, é fundamental reforçar que o papel de fiscalização dos vereadores, embora legítimo e necessário, deve respeitar os limites impostos pela legislação e os princípios que regem a administração pública. Vereadores não possuem poder para dar ordens diretas a médicos ou demais funcionários públicos, pois essas prerrogativas estão restritas ao Poder Executivo, que é o responsável pela gestão e pela condução das atividades administrativas nas unidades públicas de saúde.
Caso um vereador identifique irregularidades durante o exercício de sua função fiscalizadora, a conduta correta é oficiar o Executivo, por meio de requerimentos ou comunicações formais, solicitando as providências cabíveis. A prática de exigir diretamente documentos, como folhas de ponto ou registros de frequência de médicos e servidores, configura uma usurpação de competência, uma vez que tal demanda só pode ser feita pelos gestores responsáveis ou por órgãos fiscalizadores devidamente autorizados, como tribunais de contas ou corregedorias.
Além disso, o vereador, ao atuar em sua função, deve respeitar o direito à privacidade e à dignidade dos profissionais e pacientes, evitando práticas abusivas como filmagens ou exposições públicas nas redes sociais. A gravação de imagens em ambientes hospitalares ou administrativos, sem a devida autorização, não apenas infringe normas legais, como também compromete a confidencialidade e a segurança das informações. Essa conduta pode configurar abuso de poder e ser passível de sanções legais e judiciais.
É importante destacar que o vereador não é um gestor público e não pode substituir o papel do Executivo. Sua função é fiscalizar, propor melhorias e garantir que os recursos públicos sejam empregados de forma eficiente e transparente. Ao cumprir sua missão de maneira ética e alinhada às normas legais, o vereador fortalece a confiança da sociedade nas instituições democráticas, promove o respeito mútuo entre os poderes e contribui para a construção de um serviço público mais justo e eficiente.
Os médicos e demais trabalhadores da saúde, que frequentemente enfrentam condições adversas em seu exercício profissional, precisam estar atentos a seus direitos e não hesitar em recorrer ao Judiciário quando forem alvos de abusos. O caso Gabriel Monteiro deve ser entendido como um precedente importante que reafirma o dever das instituições públicas de respeitar e proteger os direitos fundamentais de todos os cidadãos, especialmente daqueles que dedicam suas vidas a cuidar da saúde da população.
A conduta de vereadores que ultrapassam suas atribuições legais para adotar práticas sensacionalistas precisa ser rigorosamente criticada e combatida. A atuação parlamentar é indispensável para a fiscalização e melhoria das políticas públicas, mas deve ser conduzida com ética, responsabilidade e profundo respeito às normas legais. Transformar o mandato em palco para autopromoção nas redes sociais é uma traição ao compromisso assumido com a sociedade e um desrespeito às instituições democráticas.
Analisem os videos postados pelo Vereador Kleber Ribeiro (PL):