O Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir nesta semana se uma pessoa pode ser levada a júri popular com base no depoimento de alguém que não presenciou o crime, mas apenas relata o que ouviu de terceiros. Esse tipo de depoimento, chamado de testemunho por “ouvir dizer”, é o tema central de um caso que será julgado pelo STF e cuja decisão servirá de referência para outros tribunais.
O caso concreto envolve um homem que já estava preso por outro crime cometido no Rio Grande do Sul. Segundo a acusação, o suspeito mandou matar dois comparsas que se recusaram a traficar drogas para ele.
O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (MP-RS) recorreu ao STF contra uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que concedeu habeas corpus ao réu. Isso porque entendeu que a sentença de pronúncia não pode se basear apenas em depoimentos de “ouvir dizer”. A pronúncia é a decisão que encaminha o caso para o Tribunal do Júri.
Segundo os autos, a esposa de uma das vítimas “ouviu dizer” que a ordem para a execução teria a ver com o fato de o marido ter tido um envolvimento amoroso com a esposa de outro preso.
Já a mãe da segunda vítima alegou “ter ouvido dizer” que o réu ligava da cadeia para o celular do filho para ameaçá-lo. Segundo o Recurso Extraordinário, esses depoimentos não indícios suficientes de autoria do crime, e usá-los como prova viola o Código de Processo Penal.
O julgamento do recurso está sob a relatoria do ministro Flávio Dino. Ao se manifestar sobre a repercussão geral do caso, ele ressaltou que cabe ao STF definir até onde vai a competência do Tribunal do Júri, como deve ser o acesso ao julgamento popular previsto na Constituição e se o testemunho de “ouvir dizer” pode ser considerado prova legítima no Brasil.
Testemunho ‘ouvi dizer’
O uso deste tipo de testemunho como prova é um conceito importado dos Estados Unidos, chamado de “hearsay”. O ministro Flávio Dino destaca que na prática, o Superior Tribunal de Justiça vem transformando a prova do testemunho de “ouvir dizer” em prova ilícita e vedada.
Por isso, segundo ele, “o Supremo Tribunal Federal deve, como guardião da Constituição, enfrentar o tema do ‘hearsay'”. O relator ainda destaca que nos EUA, de onde houve a importação do conceito, “o tema está longe de ser simples”.
Por isso, o STF irá decidir se a pronúncia, e consequente submissão ao Tribunal do Júri, pode ser realizada a partir de testemunhos de “ouvir dizer” e se essa prova será considerada lícita e valorável pelos juízes.