Em novembro do ano passado, rolou um banho de água fria. Prestes a festejar seu 15º aniversário, quatro vezes considerado o melhor da América Latina, o Maido, como era esperado, não repetiu o título pelo 50 Best Restaurants. Vai daí que Mitsuharu Tsumura, o Micha, chegou em Turim, na Itália, de mansinho. Como 5º melhor do mundo, é verdade. O suficiente para o limenho de 43 anos levar o primeiro lugar.
Segundo peruano a consumar o feito (o primeiro foi Virgílio Martínez com o Central), Micha declarou “É um sonho que vira realidade, ainda estou digerindo. Não é só ser eleito o melhor, é saber que você tem uma voz e portanto responsabilidade com a gastronomia. Os melhores momentos da vida acontecem na mesa”.
O Maido é, sem dúvidas, o grande projeto do cozinheiro. Nunca foi o único.
Formado teoricamente nos Estados Unidos e, na prática, no Japão, desenvolveu habilidades de cozinha e hospitalidade na hotelaria. Pouco depois de abrir seu restaurante, no bairro de Miraflores, teve a honra de recebeu de Gastón Acúrio, o bastão para coordenar o Mistura, maior festival gastronômico que a América Latina já teve notícia.
Com ingredientes e preparos de todo o Peru, eram 10 dias de Disneylândia para qualquer foodie. Algo parecido com o que se viu no Michapalooza, a festança do Maido, em dezembro passado.
De certa forma, o chef passa a sensação de viver em festa: celebra as próprias memórias com técnicas e sabores, participa de comemorações de colegas no mundo todo e tem no menu de 15 anos, pretexto para qualquer comensal festejar – ainda que, para prová-lo harmonizado, não custa dizer, seja preciso desembolsar S/ 2420 (uns R$ 3700).
Como é comer no Maido?
Nikkei por essência, o restaurante reflete seu autor: japonês por parte de pai, limenho por parte de mãe. A partir de ingredientes, não só da costa peruana, mas também Amazônia e dos Andes, e rigor técnico, o Maido estabelece um diálogo sensível entre Japão e Peru – e isso vale para as degustações, assim como para o menu à la carte.
“Ambas as cozinhas são semelhantes no uso de acidez. Seja fruta cítrica, como lima ou limão o Peru, yuzu ou sudachi no Japão, seja o vinagre para temperar vegetais ou curar peixes. Anticucho, que é basicamente algo espetado em um palito, também é muito semelhante ao yakitori”, exemplifica Micha.
O Maido também incorpora a sensualidade dessa culinária ao permitir o encontro do “poder hard rock do Peru – o tempero, as pimentas, a explosão – com a sutileza do Japão, que é como música clássica: produto, pureza, elegância”.
Clássicos da casa, como o A Lo Pobre, um niguiri de wagyu, arroz crocante e gema de ovo de codorna, e versões criativas de ceviches, tempuras, ramens, sobas e mochis integram o legado rico em umami e memórias gustativas do chef.
Da parte do comensal, as lembranças que nascem no Maido são naturalmente reforçadas pelo atendimento impecável, como se nota em um dos melhores serviços de vinho das Américas, o da sommelière argentina Flor Rey.
As marcas de Micha
Além de primogênito, o Maido é o único fine dining de Micha. No entanto, há 8 anos ele mantém o Karai, no hotel W Santiago, no Chile, um nikkei adaptado aos produtos locais e sem menus degustação. Há menos de 2, abriu o Mai Mai, no Panamá. O izakaya-rooftop é uma parceria com o chef local Mario Castrellón, do Maito, onde além de sushis, sashimis e dumplings, brilha a coquetelaria.
Entre uma coisa e outra, surgiu o Tori, um restaurante dedicado a maior paixão culinária peruana: o frango assado. Depois de marinado por 24 horas com uma mistura de especiarias, cerveja, molho de soja e grãos fermentados sob a pele, ele é grelhado na brasa, servido com batatas e arroz. Além de acessível, a pollería do premiado chef conta com asinhas crocantes, rolinhos primavera, anticuchos (o tradicional espetinho de coração de boi) e outras receitas despretensiosas e memoráveis.
Apesar da restauração diversificada, seu negócio mais lucrativo é a linha de 13 molhos. Chamada MT é uma parceria com o supermercado Wong e a previsão é que seja exportada para Estados Unidos e América Latina.
“Muitas pessoas não cozinham porque não têm tempo, mas, se a tiverem uma pimenta pronta, podem usá-la facilmente. Trata-se de garantir que a pimenta, nossas bases, nossos molhos e assim por diante, estejam presentes nas casas no Peru e nas culinárias do mundo”, aposta Micha.
A saber: há cinco tipos de salsas picantes, incluindo um chili oil, uma de ají amarillo e uma especial para sanduíches.