Enquanto milhares de pessoas passam o Réveillon na praia de Copacabana, na zona sul do Rio, admirando os fogos de artifício que celebram um feliz ano novo, outras dezenas tentam se salvar da morte depois de o barco onde desfrutavam de um luxuoso passeio naufragar no entorno do morro do Pão de Açúcar, a poucos metros dali.
Essa história aconteceu na passagem de 1988 para 1989 e é contada em uma série documental de três episódios de 60 minutos chamada Bateau Mouche – O Naufrágio da Justiça, lançada pelo canal HBO e pela plataforma de streaming Max. O primeiro capítulo está disponível desde as 21h de terça-feira, 18, e os demais serão lançados nas próximas terças-feiras, 25 de março e 1° de abril, no mesmo horário.
Trinta e sete anos depois do naufrágio do Bateau Mouche IV, que ocorreu às 23h50 do último dia de 1988 e causou a morte de 55 pessoas, a série dirigida por Tatiana Issa e Guto Barra (mesmos diretores e produtores da premiada série Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez) reconstrói os acontecimentos daquela fatídica noite e relata em detalhes uma das maiores tragédias marítimas do Brasil.
A vítima mais famosa foi a atriz Yara Amaral, de 52 anos, que participava do passeio com a mãe, Elisa Gomes, de 73 anos, também morta. Yara não sabia nadar e tinha medo do mar, mas ganhou os convites de amigos e decidiu passar o Réveillon no barco. Após a tragédia, constatou-se que ela não morreu afogada, mas sim vítima de um ataque cardíaco fulminante, provavelmente ao se dar conta do naufrágio.
A embarcação, construída em Fortaleza nos anos 1970 para comportar 20 pessoas, havia sido reformada e teve a capacidade ampliada. Pertencia a um grupo de espanhóis donos de um restaurante situado à beira-mar, em Botafogo (zona sul do Rio), e era usado para passeios turísticos pelo mar das imediações, com jantar e som ao vivo.
Foi alugada por uma empresa de turismo para um evento de comemoração do Ano-Novo, com convites vendidos a 150 cruzeiros (cerca de R$ 2.700 hoje). Mais de 150 pessoas estavam no barco – não há registro do número exato – e a embarcação, que havia saído de Botafogo, chegou a ser fiscalizada e obrigada a voltar ao cais – houve denúncias de que as autoridades que poderiam impedir o passeio foram subornadas para autorizar que ele acontecesse.
O barco começou a afundar às 23h50 e, enquanto os fogos de artifício perto dali anunciavam o ano novo, dezenas de pessoas tentavam se salvar. Duas embarcações que estavam indo para Copacabana pararam para salvar os náufragos – se não fossem elas, o número de mortos seria ainda maior.
Passadas quase quatro décadas, processos que tratam do caso ainda estão tramitando na Justiça, marcados por reviravoltas e investigações sobre fraudes e irregularidades. Empresários foram condenados e presos, mas fugiram da cadeia e continuam foragidos. Além das questões legais, a tragédia suscitou debates sobre segurança, fiscalização e responsabilidade.
Filmada no Rio de Janeiro, a produção revisita o impacto do naufrágio por meio de imagens de arquivo e mais de 30 entrevistas exclusivas com sobreviventes, familiares das vítimas, advogados, especialistas e pescadores envolvidos no resgate. Entre os depoimentos inéditos estão os relatos de Bernardo Amaral, filho de Yara Amaral, Fátima Bernardes, jornalista que estava trabalhando naquele Réveillon, e Malu Mader.
Para tornar a narrativa ainda mais realista, a série fez recriações detalhadas, filmadas no mar e em um tanque projetado, com 40 metros de comprimento, 30 de largura e até 25 de profundidade. Esse ambiente simula as condições oceânicas, incluindo ondas de até um metro de altura.