Dois especialistas em mobilidade urbana ouvidos pelo Estadão apontaram falhas e riscos no projeto sancionado nesta quarta-feira, 10, pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que regulamenta o serviço de motos por aplicativos na capital paulista. Procurada pela reportagem, a Prefeitura ainda não comentou as críticas. Assim que fizer, este texto será atualizado.
Para Ciro Biderman, professor de administração pública e economia da Fundação Getúlio Vargas, a regulação é arcaica: “São dez anos de passos para trás”. Já Sergio Avelleda, especialista em mobilidade urbana e transporte, considera “muito estranho” autorizar um serviço que demanda auxílio-funeral.
A proposta determina a realização de curso pelos condutores e o uso de placa vermelha nos veículos, exigindo que passageiro e motociclista usem colete refletivo. O projeto proíbe o serviço no centro expandido e nas marginais, veta seu uso por menores de 18 anos e o restringe em dias de tempestades intensas.
“Confissão de que a vida vale pouco”
Para Avelleda, a sociedade não deveria permitir um serviço que prevê auxílio-funeral, como está na proposta aprovada. “É uma confissão de que a vida vale pouco. Admitir que as pessoas prestem um serviço mediante pagamento de auxílio-funeral, é muito triste que a sociedade tenha chegado a esse lugar.”
Ex-secretário de Mobilidade e Transporte da capital, Avelleda acha que a Câmara foi condescendente com a idade mínima de 21 anos para o motociclista. “São pessoas muito imaturas, 25 ou até 30 anos seria uma idade mais segura para os condutores.”
Biderman diz que exigir a placa vermelha na motoapp é “um passo para trás violento”. Ele, que participou da regulação do transporte por aplicativo para carros, diz que “é importante regular, mas proibir não é regular, é voltar ao passado”.
“Quando você exige a placa vermelha, está acabando com o modelo. Exclui, por exemplo, um estudante que tem a moto e aproveita um período fora da escola para completar sua renda”, afirma Biderman. “Destrói um modelo de negócio que é inovador. Isso simboliza o quanto essa legislação regride.”
O especialista defende que as motoapps poderiam ser integradas ao serviço de ônibus, complementando viagens mais complexas para os ônibus.
Para ele, a regulação nasce “velhíssima” e inclui exigências descabidas, como a obrigação das empresas se cadastrarem em 60 dias.
“Parece ser uma estratégia de criar dificuldade para, no fundo, inviabilizar o negócio. As empresas estão todas cadastradas, porque esse novo cadastramento em 60 dias? Uma regulação arcaica que desrespeitou o trabalho da comissão. No geral a lei é muito pouco técnica. Perderam uma oportunidade de cobrar pelo uso do viário, por exemplo.”
Pontos positivos
Avelleda acha que a Câmara acerta ao criar uma área de restrição e de não circulação das motos, como no centro expandido e nas marginais, porque evita que circulem nas áreas mais perigosas do trânsito. Mas poderia ter exigido motos mais novas para o serviço. “Oito anos é muito tempo para a idade da moto, poderia ser de cinco anos no máximo e principalmente exigir freios abs (sistema antibloqueio da roda na frenagem brusca). Muitos estudos mostram que a moto se torna muito mais segura quando ela tem esse freio.”
Para ele, houve acerto na exigência do curso de direção defensiva, mas a legislação poderia ir além. “Seria bom que as empresas interessadas em prestar esse serviço assumisem com a prefeitura um termo de comproisso e depositasse uma fiança bancária para ressarcir todas as despesas que ela vai ter no SUS (Sistema Único de Saúde). Se querem ganhar dinheiro com o serviço, precisam assumir as despesas que ele vai gerar no SUS (em casos de acidentes com vítimas). Não é justo que todos os contribuintes paguem para que essas empresas possam ampliar seus lucros.”
“Proibição disfarçada de regulamentação”, diz associação
Em entrevista à Rádio Eldorado, o diretor-executivo da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), André Porto, disse que as empresas do setor estão avaliando a possibilidade de ir à Justiça contra as exigências da nova lei. “O projeto na verdade é uma proibição disfarçada de regulamentação”, afirmou.
Veja os principais pontos do projeto.
Empresas (como Uber e 99) que oferecem o serviço precisam:
estar credenciadas pela Prefeitura, processo que pode levar até 60 dias a partir do pedido de credenciamento. A credencial vale por um ano;
contratar seguro de acidentes e auxílio funeral, com cobertura para o condutor, o passageiro e terceiros;
apresentar um plano de instalação de pontos de descanso e estacionamento para os mototaxistas;
só permitir que o serviço seja realizado por condutores cadastrados na Prefeitura;
disponibilizar dados à Prefeitura;
ter dispositivo limitador de velocidade no aplicativo;
só disponibilizar o serviço para maiores de 18 anos;
arcar com os custos da placa vermelha, do colete refletivo, do capacete para o passageiro e do curso para o motociclista.
O mototaxista terá de:
ter no mínimo 21 anos;
possuir há pelo menos dois anos a Carteira Nacional de Habilitação na categoria “A” ou “AB”;
estar cadastrado na Prefeitura;
ser aprovado em curso especializado para o transporte de passageiros em motocicletas, de acordo com o Conselho Nacional de Trânsito;
disponibilizar aos passageiros capacete em bom estado, touca descartável, colete refletor;
usar colete refletor;
não ter sido condenado pelos crimes de homicídio, roubo, estupro, corrupção de menores, contra a mulher por razões do sexo feminino ou contra a dignidade sexual;
ser contribuinte regular no INSS;
realizar exame toxicológico com janela de detecção mínima de 90 dias.
A motocicleta necessita:
ter placa vermelha;
ter no máximo oito anos desde a fabricação;
ter alças metálicas traseira e lateral para apoio do passageiro;
ter potência do motor entre 150 e 400 cilindradas;
ter aparador de linha no guidão do veículo.
O transporte de passageiros por moto é proibido:
em corredores e faixas exclusivas de ônibus;
durante eventos climáticos intensos, como tempestade, vendaval, baixa visibilidade e enchentes, em áreas em alerta pela Defesa Civil;
em vias de trânsito rápido, como as marginais;
no centro expandido (zonas onde o rodízio é válido);
na zona de máxima restrição de circulação de caminhões.
Em caso de descumprimento, pode haver advertência por escrito, multa, suspensão ou cassação do cadastro do mototaxista, e suspensão ou cassação do credenciamento da empresa. A multa para empresas varia de R$ 4 mil a R$ 1,5 milhão. Caso a infração persista, a multa poderá ser fixada por dia. Já para os condutores, a penalidade varia de R$ 150 a R$ 700.
O condutor pode perder o cadastro na prefeitura em caso de lesão corporal grave ou gravíssima ou de homicídio doloso de passageiro. Nesses casos, as empresas também podem perder seu credenciamento.


