O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), indicou nesta quarta-feira, 4, que vai divergir no julgamento sobre a responsabilização civil das plataformas e provedores por conteúdos publicados pelos usuários. Ao iniciar a leitura de seu voto, que será concluído nesta quinta, 5, ele defendeu a “autocontenção judicial” e afirmou que, em sua avaliação, o STF não deveria interferir na regulamentação das chamadas big techs.
“Dentro da lógica da separação de Poderes, o Congresso Nacional é a instituição que detém a maior capacidade para captar, tratar e elaborar um arranjo normativo a fim de externar os anseios da sociedade em relação ao tema.”
Mendonça disse ainda que o Judiciário contribui para a crise de sua própria legitimidade ao “assumir mais protagonismo em questões que deveriam ser objeto de deliberação por parte do Congresso Nacional”. “O Poder Judiciário acaba contribuindo, ainda que não intencionalmente, para a agudização da desconfiança hoje verificada em parcela significativa da nossa sociedade”, afirmou.
‘Obsessão’
Em sua introdução, o ministro defendeu a liberdade de expressão como um valor coletivo e afirmou que o controle das redes sociais é “a obsessão de nossa época”. “É preciso ter cuidado para que essas preocupações legítimas não ofusquem os benefícios reais do maior acesso a arenas públicas”, alertou. “A depender do remédio e da dose administrada, a tentativa de combater o sintoma pode agravar ainda mais a doença.”
A análise de dois recursos extraordinários que tratam do Marco Civil da Internet teve a repercussão geral reconhecida, ou seja, os ministros já definiram que o tema é relevante e que, a partir da análise de um processo, o STF precisa definir uma tese para ser aplicada nacionalmente. As ações questionam a constitucionalidade do artigo 19, que isenta as plataformas de responsabilização por danos causados por conteúdos publicados pelos usuários.
No regime atual, as redes sociais apenas respondem por danos causados pelas postagens caso descumpram uma ordem judicial de remoção das publicações. Há duas exceções: violação aos direitos autorais e divulgação de fotos íntimas sem consentimento.
O julgamento havia sido interrompido por um pedido de vista de Mendonça. Até o momento, votaram os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e o presidente da Corte Luís Roberto Barroso. Enquanto Toffoli e Fux defendem punições para as empresas de tecnologia que não removerem publicações criminosas imediatamente após a notificação dos usuários, Barroso sugere como alternativa o chamado “dever de cuidado”. Segundo a proposta, as big techs devem criar mecanismos para melhorar a qualidade da informação, mas só podem ser punidas por falhas amplas, isto é, pela omissão na gestão global dos conteúdos ilícitos e não por casos individuais.
A tendência é a de que Mendonça apresente um voto mais alinhado aos interesses das plataformas.
Competências
Antes da retomada do julgamento, no início da sessão, Barroso fez um pronunciamento em que negou que o tribunal esteja invadindo competências do Congresso ao julgar o tema. Ele afirmou que o STF tem o dever de definir critérios claros para serem aplicados em casos concretos que chegarem ao Judiciário e que essas balizas “só prevalecerão” até que o Congresso aprove legislação sobre o assunto.
“E quando o Congresso legislar a respeito é a vontade do Congresso que vai ser aplicada pelo Supremo Tribunal Federal, desde que evidentemente compatível com a Constituição”, afirmou o ministro.
A discussão está travada no Legislativo desde que PL das Fake News foi retirado da pauta por falta de consenso para a votação da matéria. Na prática, o Supremo vai decidir se amplia a obrigação das plataformas de fiscalizarem os conteúdos que circulam nas redes sociais – um dos maiores pontos de inquietação das big techs.
O STF também precisa definir se as empresas de tecnologia podem ser punidas por publicações mesmo quando não houver ordem judicial para tirá-las do ar, o que implicaria uma moderação de conteúdo mais rigorosa.
Censura
No julgamento de ontem, Toffoli – que é relator de um dos recursos – negou que a responsabilização das redes sociais por conteúdos ilícitos publicados pelos usuários seja equivalente a censura. “Não estamos aqui tratando de censura, de tolher liberdade de expressão, o que estamos a tratar aqui é o momento em que surge a responsabilização”, afirmou o ministro.
Toffoli também disse que ainda não analisou o pedido formulado pela Advocacia-Geral da União (AGU) para antecipar os efeitos do julgamento. “Como o processo foi pautado, eu não analisei o pedido de tutela antecipada tendo em vista que o julgamento prossegue já no seu mérito.” (COLABOROU LAVÍNIA KAUCZ)