O governo de Donald Trump aplicou nesta quarta-feira, 30, sanções financeiras ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes por meio da Lei Magnitsky. O dispositivo legal acionado pela Secretaria do Tesouro dos Estados Unidos se aplica a estrangeiros acusados de corrupção ou violações graves de direitos humanos. A decisão representa uma escalada na crise envolvendo o governo Trump e os comandos dos Poderes Executivo e Judiciário brasileiros – o presidente americano assinou ontem o decreto que oficializa tarifas de 50% a produtos exportados pelo Brasil.
Ministro-relator da ação penal do golpe – que tem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como principal réu -, Moraes se tornou o alvo principal das ameaças do governo americano. A medida bloqueia contas bancárias e trava o acesso do ministro ao sistema financeiro dos Estados Unidos. A lei ainda prevê proibição de entrada no país. O seu visto e de outros sete integrantes do STF e do procurador-geral da República, Paulo Gonet, já haviam sido suspensos por ordem de Trump na semana passada.
A aplicação da lei foi publicada no site do Tesouro dos EUA. O nome do ministro passou a constar na lista do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC). A decisão proíbe, por exemplo, que ele utilize cartões de crédito com as bandeiras Mastercard e Visa por serem empresas norte-americanas (mais informações na página ao lado). O escritório afirmou em comunicado que Moraes “usou sua posição para autorizar detenções arbitrárias antes do julgamento (da ação penal do golpe) e suprimir a liberdade de expressão”.
O secretário do Tesouro norte-americano, Scott Bessent, reproduziu o discurso de Trump ao justificar a punição de Moraes. Ele citou nominalmente Bolsonaro como um dos alvos do ministro “em sua campanha de censura, detenções arbitrárias que violam direitos humanos e perseguição política”.
Segundo Bessent, o ministro “tomou para si o papel de juiz e júri numa caça às bruxas ilegal contra os Estados Unidos e cidadãos e empresas brasileiras”. “A decisão de hoje (ontem) deixa claro que o Tesouro vai continuar a fiscalizar aqueles que ameaçam os interesses dos Estados Unidos e a liberdade de nossos cidadãos.”
Porém, diferentemente do que alega o secretário de Trump, as decisões de Moraes têm sido submetidas ao plenário e referendadas pelos demais ministros do STF, além de contar com pareceres da Procuradoria-Geral da República.
Sem precedentes
O rol de punições a Moraes inclui o bloqueio de bens em seu nome ou que sejam seus, mas, eventualmente, estejam sob posse de americanos. Além disso, quaisquer empresas ou entidades ligadas ao ministro estão proibidas de operar no país. A interlocutores, Moraes já afirmou que não mantém bens ou aplicações nos EUA e, portanto, essa medida específica seria inócua.
A aplicação da Lei Magnitsky também prevê sanções a instituições financeiras e outras pessoas que “se envolverem em determinadas transações ou atividades” com o ministro. Empresas como bancos e operadoras de cartões de crédito estão proibidas de realizar qualquer operação que envolva Moraes. “O objetivo final das sanções não é punir, mas promover uma mudança positiva de comportamento”, finaliza o comunicado do Tesouro.
A decisão tem como base o pedido apresentado pela organização Legal Help 4 You LLC à Justiça Federal da Flórida por punições a membros da Suprema Corte brasileira. A entidade atua como amicus curiae (amigo da Corte) no processo judicial movido pelas empresas Trump Media, cujo dono é o presidente dos EUA, e Rumble.
Na semana passada, a organização pediu o envio dos autos do processo ao governo Trump para que fosse analisada a viabilidade de aplicação das sanções contra Moraes e outros ministros do STF.
Soberania
A Legal Help 4 You LLC argumenta no Tribunal da Flórida que o STF viola a soberania dos Estados Unidos ao restringir a atuação das suas companhias. As decisões proferidas por Moraes em relação à Trump Media e à plataforma Rumble têm como justificativa a falta de ação das empresas para restringir a disseminação de notícias falsas e o discursos de ódio em seus domínios.
A Lei Magnitsky aplicada contra Moraes foi aprovada em 2012, durante o governo de Barack Obama.
Em maio deste ano, o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, ameaçou acionar a lei contra membros do Judiciário brasileiro. “Isso está sob análise neste momento, e há uma grande possibilidade de que isso aconteça”, disse Rubio na ocasião ao ser questionado pelo deputado republicano Cory Mills, da Flórida.
A decisão, agora em vigor, se insere no contexto de pressão dos bolsonaristas por punições contra integrantes do STF a fim de paralisar o julgamento de Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado em 2022. O protagonista do lobby por sanções a Moraes é o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) – filho do ex-presidente -, que está nos Estados Unidos desde março articulando com agentes do governo Trump formas de enquadrar o ministro.
Após o anúncio da sanção, ele voltou a defender a aprovação de uma anistia no Congresso. “O mundo está olhando para o Brasil”, escreveu em sua conta no X. “Chegou a hora do (sic) Congresso agir. A anistia ampla, geral e irrestrita é urgente.”
Como mostrou o Estadão, o uso de Lei Magnitsky pelos EUA é inédito contra um ministro de Suprema Corte no mundo. Alvos típicos da medida são autoridades de regimes autoritários, integrantes de grupos terroristas, criminosos ligados a esquemas de lavagem de dinheiro e agentes de segurança acusados de assassinatos em série.
Esta é a primeira vez que uma autoridade de país democrático é punida pela lei. Até o momento, a norma só havia sido aplicada para violadores graves dos direitos humanos, como autoridades de regimes ditatoriais, integrantes de grupos terroristas e criminosos ligados a esquemas de lavagem de dinheiro e de assassinatos em série.
Entre os casos emblemáticos estão assessores diretos do príncipe Mohammed bin Salman, da ditadura da Arábia Saudita, responsabilizados pelo assassinato do jornalista Jamal Khashoggi; o ditador da Chechênia Ramzan Kadyrov, acusado de execuções extrajudiciais; integrantes de grupos terroristas do Iraque e do Afeganistão e dirigentes do Partido Comunista Chinês, sancionados por comandar políticas de repressão sistemática no país.
Na América do Sul, foram punidos membros de facções criminosas com conexões no Brasil; envolvidos em lavagem de dinheiro e evasão de divisas; e o ex-presidente do Paraguai Horacio Cartes, punido após deixar o cargo, sob a acusação de envolvimento em esquemas de corrupção e lavagem de recursos.
Para ter o nome retirado da lista, Moraes teria de provar que não teve ligação com as atividades ilegais que levaram à punição, que já respondeu na Justiça pelos atos ou que mudou de comportamento de forma significativa. O próprio governo americano também pode retirar as sanções.
O STF divulgou nota defendendo Moraes e dizendo que não se desviará do “papel de cumprir a Constituição”. (COLABORARAM CAROLINA BRÍGIDO E KARINA FERREIRA)