O dólar emendou nesta sexta-feira, 24, o quinto pregão consecutivo de baixa no mercado local e terminou a semana com desvalorização de 2,42% – a maior queda semanal desde o início de agosto do ano passado. O real se beneficiou, mais uma vez, da onda global de enfraquecimento da moeda americana, na esteira do tom menos belicoso que o esperado do presidente dos EUA, Donald Trump, no campo do comércio internacional.
A moeda até ensaiou fechar abaixo da linha de R$ 5,90, com mínima a R$ 5,8679, mas reduziu bastante o ritmo de queda ao longo da tarde, tocando máxima na última hora de negócios. Além de ajustes e realização de lucros intradia, operadores citaram certo desconforto com a ventilação de propostas do governo para amenizar a alta dos preços dos alimentos, como a redução de alíquotas de importação.
O real chegou a exibir em certos momentos um dos melhores desempenhos entre as principais divisas emergentes e de países exportadores de commodities, mas encerrou o dia com ganhos inferiores a de seus principais pares, como o peso mexicano e o rand sul-africano.
Com máxima a R$ 5,9251, na reta final da sessão, o dólar à vista fechou em baixa de 0,12%, cotado a R$ 5,9186 – no menor valor de fechamento desde 27 de novembro (R$ 5,9135). Após as perdas de 2,42% na semana, a moeda americana acumula no mês desvalorização de 4,23% em relação ao real, que tem em janeiro ganhos inferiores apenas aos do peso colombiano e do rublo russo entre as divisas mais relevantes.
“Trump começou em marcha lenta do ponto de vista econômico, o que surpreendeu o mercado, que estava posicionado para uma coisa mais pesada. O real surfou essa onda de apetite ao risco no exterior”, afirma o chefe da mesa de câmbio da EQI Investimentos, Alexandre Viotto. Ele ressalta que, quando o dólar rompeu o piso de R$ 6,00, houve uma zeragem das posições compradas na moeda americana que acabou turbinando o real ao longo desta semana.
Em entrevista a Fox News, Trump disse que os EUA têm um grande poder em relação à China, que é a imposição de tarifas de importação, mas que sua preferência seria não usá-lo. A leitura entre analistas é que o presidente dos EUA vai manter, neste primeiro momento, a ameaça de um ‘tarifaço’ como instrumento de barganha. No fim da tarde, o Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês) anunciou que conduzirá uma revisão do acordo comercial e econômico que mantém com a China.
Termômetro do comportamento do dólar em relação a uma cesta de seis divisas fortes, o índice DXY recuava cerca de 0,50% no fim da tarde e operava na casa dos 107,400 pontos, após mínima aos 107,218 pontos. O iene sofreu menos que o euro e a libra, na esteira da elevação da taxa de juros pelo Banco do Japão, de 0,25% para 0,50%, e aumento das projeções de inflação.
Para Viotto, da EQI, é cedo para apostar em uma tendência de perda de fôlego mais forte do dólar globalmente e, por tabela, de abertura de espaço para apreciação adicional do real. Ele lembra que Trump, embora não tenha sido tão agressivo quanto se esperava na frente comercial, pode engrossar o tom nas próximas semanas, provocando aversão ao risco.
“Não está dado que o dólar abaixo de R$ 6,00 veio para ficar. Trump pode retomar o tom mais agressivo. Estamos em uma janela de oportunidade que pode se fechar”, afirma Viotto, acrescentando que, em fevereiro, o Congresso retorna aos trabalhos e ainda é preciso aprovar o Orçamento de 2025.
Analistas ponderam que, caso a volatilidade siga baixa, é possível que haja um retorno do apetite pelas operações de carry trade, mesmo que o Federal Reserve opte por interromper, na próxima semana, o ciclo de queda de juros. Por aqui, a alta de 0,11% no IPCA-15 de janeiro, na contramão da mediana de Projeções Broadcast (-0,01%) e com abertura considerada ruim, estimula as apostas em taxa Selic terminal acima de 15%.
Há apreensão, contudo, com a possibilidade de o governo Lula adote medidas heterodoxas para conter a alta dos preços de alimentos. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou hoje que não haverá subsídios par conter os preços, negando rumores ventilados ontem. A opção seria por redução de alíquota de importação de alimentos que estiverem mais caros aqui que no exterior.
Para o economista-chefe do BTG Pactual, Mansueto Almeida, o “barulho interno” mantém o dólar ao redor de R$ 6,00. Haveria espaço para taxa de câmbio entre R$ 5,40 e R$ 5,50. O economista acredita que os preços dos alimentos devem parar de subir com tanta força em caso de apreciação do real.
“Se entramos agora no cenário em que o dólar fica um pouco mais barato, até em decorrência de alguns sinais que o governo venha a dar, de responsabilidade fiscal, e também dado que o Banco Central aumentou os juros, esperamos que a inflação comece a cair”, afirmou Mansueto, em almoço com empresários na Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ).
Ibovespa
Apesar da retração observada tanto no dólar como também, em parte do dia, na curva de juros doméstica, o Ibovespa operou colado à estabilidade, indeciso entre leves perdas e ganhos ao longo da sexta-feira, 24. Sem fôlego, fechou a semana também perto da neutralidade no intervalo, em leve alta de 0,08% ante a sexta-feira passada. Hoje, o índice oscilou apenas 713 pontos entre a mínima (122.195,69) e a máxima (122.908,08) da sessão, em que saiu de abertura aos 122.483,32 pontos. O giro se enfraqueceu em relação ao de quinta e quarta-feira, caindo hoje para R$ 14,6 bilhões. No mês, o Ibovespa sustenta alta de 1,80%, tendo fechado a sexta-feira pouco abaixo da estabilidade (-0,03%), aos 122.446,94 pontos.
O dia foi também negativo para os principais índices de ações em Nova York que, contudo, acumularam ganhos entre 1,65% (Nasdaq) e 2,15% (Dow Jones) na semana e avançam até 4,42% (Dow Jones) no mês. O apetite por risco foi retomado no exterior desde a posse do presidente Donald Trump nos Estados Unidos, na segunda-feira – especialmente de ontem para hoje, com a amenização da retórica em relação a pontos sensíveis da agenda externa dos Estados Unidos, como as relações com a China. No Brasil, tal percepção se refletiu em especial no câmbio, com a devolução de prêmios de risco que haviam se acumulado desde a parte final do ano passado.
Dessa forma, o dólar à vista recuou 2,42% na semana e já acumula perda de 4,23% no mês frente ao real. Hoje, a moeda americana tocou mínima do dia a R$ 5,8679 e encerrou a sessão ainda em baixa de 0,12%, a R$ 5,9186.
“Primeiras decisões de Trump não indicam, de largada, uma política comercial mais agressiva, o que resultou em descompressão no dólar e uma semana mais positiva para as bolsas nos Estados Unidos”, diz Rodrigo Ashikawa, economista da Principal Claritas, acrescentando que, na semana que vem, a atenção estará voltada a decisões de política monetária nos Estados Unidos e na Europa, além do Brasil.
Destaque da agenda doméstica nesta sexta-feira, o IPCA-15 de janeiro, prévia da inflação oficial do mês, aponta quadro “um pouco mais pressionado na margem” para os preços, com piora tanto do headline como na composição do índice em relação ao esperado, diz Ashikawa. “IPCA-15 acima das expectativas gera preocupações sobre a inflação e os juros. Apesar disso, o mercado parece estar em momento de ajuste, calibrando discursos e dados econômicos”, diz Christian Iarussi, sócio da The Hill Capital. “No curto prazo, a pressão inflacionária interna e o ambiente externo ainda indefinido devem manter o Ibovespa sob volatilidade”, acrescenta.
Nesse contexto, o quadro das expectativas para o desempenho das ações ficou menos otimista no Termômetro Broadcast Bolsa para a próxima semana. A previsão majoritária passou a ser de estabilidade, depois de três semanas de apostas em um desempenho melhor para o principal índice da B3. Entre os participantes, 50,0% esperam que o Ibovespa permaneça onde está, enquanto as fatias que esperam alta e baixa são de 37,5% e 12,5%, respectivamente. Na edição anterior, a expectativa de ganhos tinha 57,1% do universo; a de variação neutra, 14,3%; e a de queda, 28,6%.
“Discurso de Trump era muito pesado e o tom mais ameno desde ontem com relação a um possível acordo comercial com a China deu fôlego para as bolsas dos Estados Unidos e da Europa. Aqui, questões domésticas têm pesado para além do cenário externo. E a inflação ainda preocupa”, diz William Queiroz, sócio e advisor da Blue3 Investimentos. “O Ibovespa tem mostrado certa lateralidade antes das decisões do Copom, que volta a deliberar sobre a Selic na próxima quarta-feira, com expectativa para Gabriel Galípolo em seu primeiro posicionamento sobre juros como presidente do Banco Central”, acrescenta.
A preocupação enfatizada nesta semana pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva quanto aos preços dos alimentos, e a cobrança de soluções de abastecimento à população mais pobre, voltou a fazer circular na comunicação oficial a palavra “intervenção”, depois retirada pela própria Casa Civil. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, veio a público desmentir que controle de preços ou ações semelhantes estejam em discussão, e que a situação tende a se normalizar com a safra agrícola, a melhora da oferta e o recuo do dólar.
Apesar do câmbio mais favorável nesta sexta-feira, o Ibovespa não saiu do lugar, em dia negativo para Petrobras (ON -0,29%, PN -0,52%) e também para os grandes bancos, à exceção de Santander (Unit +1,06%, na máxima do dia no fechamento). Vale ON avançou hoje 1,36%, mas acumulou perda de 2,68% na semana e, até aqui, de 2,79% no mês. Na ponta ganhadora do índice, destaque nesta sexta-feira para CSN (+5,09%), Cogna (+3,79%) e Totvs (+2,29%). No lado oposto, CVC (-2,73%), LWSA (também -2,73%) e Carrefour (-2,36%).
Juros
O dólar voltou ao nível de R$ 5,91 no período da tarde, abrindo espaço para que o IPCA-15, acima do esperado, voltasse a puxar os juros mais curtos (os longos fecharam perto da estabilidade). Operadores também mencionam desconforto com ruídos em torno de quais medidas serão tomadas pelo governo para conter a alta dos alimentos. O ministro da Casa Civil, Rui Costa, indicou uma redução de alíquota em produtos que estiverem mais caros no mercado interno do que no internacional – o que abre interpretação de interferência de preço e possibilidade de menor arrecadação, apesar de que o efeito da medida pode ser pequeno do ponto de vista fiscal.
O DI para janeiro de 2026 subiu para 15,140%, de 15,043% no ajuste anterior. O DI para janeiro de 2027 avançou a 15,37%, de 15,30%, e o para 2029 encerrou estável, em 15,15%.
“Os juros futuros sempre vão conversar com as expectativas de inflação. O IPCA-15 veio acima do consenso e com uma difusão que preocupa, por isso a curva tem mais dificuldade de fechar no curto prazo”, resume o especialista Daniel Teles, da Valor Investimentos.
A alta de 0,11% vista no IPCA-15 de janeiro contrariou a mediana do Projeções Broadcast, que apontava queda de 0,01%. Na esteira, o Barclays revisou a projeção para o IPCA fechado de janeiro de -0,1% para +0,1%. Já a LCA elevou a projeção de alta para o IPCA de 2025 de 5,4% para 5,5%.
O mercado monitora também as propostas do governo para conter a alta dos alimentos. Nesta tarde o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o governo atuará na redução da alíquota de importação de alimentos que estiverem mais caros no mercado interno em relação ao mercado internacional.
Para Teles, da Valor Investimentos, a indicação vai na linha de “falar em interferência de preço, o que é quase um palavrão para o mercado”. Para ele a medida afeta o potencial de arrecadação do governo, que já está sob “extrema desconfiança” quanto à gestão das contas públicas.
Contudo, para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, o efeito da redução de alíquota é pequeno para a política fiscal. “O maior foco das alíquotas de importação é atrelado a bens industrializados, não é tanto relacionado a agricultura ou alimentos”, afirma.