Dólar cai e toca brevemente os R$ 5,91 com Trump mais estratégico em tarifas

A avaliação dos investidores de que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, será mais comedido e estratégico na adoção de tarifas de importação – usando-as como ferramentas para atingir os objetivos do governo, e não como armas numa guerra comercial – diminuiu a percepção sobre os riscos à economia global e beneficiou principalmente as moedas de países emergentes exportadores de commodities. O dólar, porém, caiu mais ante o real que em relação aos pares da moeda brasileira.

No mercado à vista, recuou 1,40%, para R$ 5,9465 – menor nível de fechamento desde 27 de novembro, quando encerrou o pregão a R$ 5,9135. No mercado futuro, o contrato do dólar para fevereiro tinha queda de 1,33% por volta das 17h05, a R$ 5,9560. Na mínima da sessão, o dólar à vista chegou a R$ 5,9165 – menor taxa intradia desde 12 de dezembro. Já o dólar futuro tocou R$ 5,9255.

Ontem à noite, Trump indicou que pretende taxar em 10% as importações de produtos chineses. O número surpreendeu, dado que durante a campanha ele chegou a prometer taxação de até 60%. Além disso, uma reportagem do Wall Street Journal apontou que o objetivo de Trump ao taxar produtos do México e Canadá era antecipar de 2026 para 2025 a negociação do acordo de livre-comércio entre estes dois países e os Estados Unidos.

Segundo Luciano Costa, economista-chefe e sócio da Monte Bravo Investimentos, as notícias se alinham à percepção de uma abordagem menos bélica e mais estratégica da Casa Branca. “A sensação de que o aumento de tarifas está com esse papel, defendido pela parte mais moderada da equipe econômica do Trump, está deixando o mercado com menos risco”, disse.

Matheus Massote, sócio da One Investimentos, ressalta que a percepção de que a política tarifária de Trump não será tão dura é relevante também porque afeta diretamente a expectativa em torno do resultado da balança comercial.

Ele aponta que, depois da piora na taxa de câmbio no final do ano passado em função de receios com a sustentabilidade das contas públicas e de fatores sazonais, como as remessas de capital de empresas ao exterior, a diminuição da percepção de risco colabora para que os investidores prestem mais atenção aos fundamentos – o que, no momento favorece o real diante da forte depreciação observada em dezembro.

Um outro fator que colaborou com a queda do dólar hoje foi a velocidade das perdas e o rompimento de níveis psicológicos relevantes – como a barreira dos R$ 6. “Havia uma posição técnica muito assimétrica. O mercado estava apostando em depreciação de real. Quando rompe determinados níveis, vem a zeragem destas posições”, disse Costa, da Monte Bravo.

O caminho para um real mais valorizado, porém, ainda pode enfrentar obstáculos. Segundo Glaucy Lima, gestora de câmbio da Fair Corretora, comentou que o fluxo de dólares para fora do Brasil ainda é relativamente grande.

“Há muita gente muito insegura com questões políticas. Entre os brasileiros ainda está saindo mais dinheiro do que entrando, vemos isso pelo fluxo da carteira de clientes. E na parte de turismo, tinha-se uma perspectiva de aumento no ingresso de dólares em janeiro e fevereiro, mas também não está entrando pagamento de estrangeiros”, afirmou.

O fluxo cambial do Brasil foi negativo em US$ 3,804 bilhões de 1º a 17 de janeiro, segundo dados preliminares divulgados nesta quarta-feira pelo Banco Central. O canal financeiro teve saída líquida de US$ 2,127 bilhões. O comercial, saldo negativo de US$ 1,677 bilhão. Os números porém, são anteriores à posse de Trump, no dia 20. E, na semana passada apenas, o fluxo foi positivo em US$ 806 milhões.

Ibovespa

Vindo de três altas consecutivas, o Ibovespa permaneceu em margem de variação restrita neste meio de semana, de 940 pontos entre a mínima (122.925,68) e a máxima (123.865,07) da sessão. Após indecisão entre leves ganhos e perdas, e sem se distanciar muito da estabilidade, o índice tentou se firmar em alta na etapa vespertina, mas acentuou um pouco as perdas em direção ao fechamento, cedendo 0,30%, aos 122.971,77 pontos. Após duas sessões de giro bem fraco, o volume financeiro subiu para R$ 19,2 bilhões. Na semana, o Ibovespa avança 0,51%.

No acumulado do ano, o fluxo de capital externo está positivo em R$ 3,725 bilhões na B3, conforme dados atualizados até o dia 20. Esta recuperação de fluxo contribui para a relativa melhora do Ibovespa, que acumula ganho de 2,24% em janeiro, comparado a uma perda de 4,79% no mesmo mês do ano passado.

Com efeito também para a cotação do real frente à moeda americana, o fluxo positivo de investimentos estrangeiros para a B3 começou a se intensificar entre os dias 13 e 15 de janeiro, diz Anilson Moretti, head de câmbio da HCI Invest. “Essa movimentação positiva, aliada à atuação do Banco Central com leilões diretos, tem ajudado a conter pressões sobre o valor do dólar”, acrescenta. Nesta quarta-feira, o dólar fechou em queda de 1,40%, abaixo de R$ 6, a R$ 5,9465.

“Todo mundo tinha expectativa sobre o que o novo governo dos Estados Unidos poderia fazer, se também afetaria o Brasil com algum tipo de tarifa, de forma direta. Como isso não aconteceu até o momento, há uma realização forte no câmbio, principalmente depois que o dólar perdeu a linha psicológica de R$ 6”, diz Alison Correia, analista e sócio-fundador da Dom Investimentos.

A recente correção no câmbio deriva também de alguma acomodação no exterior, com efeito para moedas de emergentes, em meio a um começo de governo Trump, até aqui, sem medidas protecionistas da envergadura prometida na campanha eleitoral e na transição para a nova administração republicana. “Trump tem sinalizado que vai tarifar a China em 10%, e talvez isso comece em fevereiro, com efeito para os preços das commodities por lá”, acrescenta Correia.

No Brasil, “a agenda doméstica continua esvaziada e o foco permanece voltado para as tarifas de comércio exterior nos Estados Unidos previstas para este início de governo Trump, especialmente para México e Canadá, possivelmente a partir de 1º de fevereiro”, diz Gustavo Mendonça, sócio e especialista da Valor Investimentos.

“Amanhã, a participação virtual de Donald Trump no Fórum de Davos deve contribuir para que se entenda melhor a política tarifária”, avalia Mendonça, referindo-se também à falta de catalisadores domésticos para orientar os negócios. “Na próxima semana tem o Copom, mas já precificado para um novo aumento de 100 pontos-base, ou 1 ponto porcentual, na Selic nesta reunião”, diz.

“O ‘benefício da dúvida’ enfraquece o dólar, mas a volatilidade tende a permanecer. O presidente Trump continua a falar de medidas potencialmente inflacionárias, como as tarifas de importação. Assim, após novas falas sobre taxação de produtos chineses, os rendimentos dos Treasuries de 10 anos apresentaram alta. No Brasil, o mercado aguarda também dados de arrecadação federal para avaliar a situação fiscal – que continua sendo um dos grandes riscos para o real no curto prazo”, aponta Paula Zogbi, gerente de Research da Nomad.

Na B3, nesse contexto ainda de incerteza, o viés de baixa prevaleceu na sessão para as ações de maior peso e liquidez, com destaque para Vale (ON -2,52%), em dia negativo para o minério de ferro na China, e para Bradesco (ON -1,12%, PN -1,37%) entre os maiores bancos, setor em que BB (ON +1,83) e Santander (Unit +1,28%) derivaram para o campo positivo. Petrobras (ON -1,01%, PN -0,56%) acentuou perdas em direção ao fechamento. Na ponta ganhadora do Ibovespa, destaque para Azul (+6,98%), CVC (+6,36%) e LWSA (+5,66%). No lado oposto, RDSaúde (-4,52%), Brava (-4,13%) e Minerva (-3,42%).

Juros

O alívio na curva de juros perdurou no período da tarde desta quarta, 22, seguindo o mesmo motivo da manhã: a queda acentuada do dólar. No fim da sessão as taxas se afastaram das mínimas intradia por um movimento técnico, mas operadores frisam que a percepção de que o presidente Donald Trump foi mais pragmático sobre tarifas contra a China contribuiu para um alívio nos prêmios de risco.

“Trump foi menos agressivo e mais pragmático no que diz respeito à questão tarifária”, contribuindo para um enfraquecimento do dólar e, consequentemente, em um arrefecimento das taxas de contratos de Depósito Interfinanceiro (DI), segundo o estrategista-chefe da corretora Monte Bravo, Alexandre Mathias. “Com certeza o enfraquecimento do dólar é o principal driver para os juros futuros hoje”, resume.

Para Mathias, o pragmatismo de Trump – que indicou tarifa de 10% às importações americanas da China a partir de 1º de fevereiro, abaixo dos 60% prometidos em campanha – ocorre porque “seria contraproducente do ponto de vista político e econômico fazer uma medida extremamente inflacionária como essa, considerando que o principal motivo para o republicano ter ganhado a eleição foi a inflação elevada no governo Biden”.

O estrategista-chefe da BGC Liquidez, Daniel Cunha, considera que “as imposições de tarifa pelo governo Trump não devem ser imediatas e serão usadas como instrumento de negociação, o que pode defasar/suavizar suas possíveis execuções e abrir espaço para alívio nas moedas e juros no curto prazo”.

Cunha, contudo, frisa que o comportamento do mercado de “tentar tirar muita lição nessas primeiras 48 horas de governo Trump não parece saudável”.

Outro foco do mercado financeiro fica para o comunicado do Copom na próxima quarta-feira, 29. Como a autarquia contratou na última reunião duas novas altas de 1 ponto porcentual, o mercado aguarda mesmo pistas de um novo forward guidance. “Será um forward guidance no plural? No singular? Ou vai sumir? Existe ansiedade também sobre as atualizações quanto às projeções de inflação no cenário de referência do BC”, afirma Cunha, da BGC Liquidez.

A taxa de depósito interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 caiu para 14,920%, de 14,958% no ajuste anterior. O DI para janeiro de 2027 cedeu para 15,165%, de 15,171%, e o para janeiro de 2029 recuou para 14,995%, de 15,036%.

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