Comando Vermelho, PCC, grupo da Venezuela e mais 14 facções estão ativas na Amazônia

Mais de um quarto das cidades da Amazônia Legal hoje são dominadas pelo Comando Vermelho (CV), alvo de megaoperação recente que deixou 121 mortos no Rio de Janeiro. A Região Norte do País é considerada estratégica pela possibilidade de importar rapidamente cargas de cocaína e skunk de nações vizinhas, como Peru e Colômbia, além de permitir que as mesmas rotas sejam usadas para crimes como o garimpo ilegal, em fenômeno conhecido como o “narcogarimpo”.

. O domínio do CV, facção fundada há mais de quatro décadas no Rio, se estende por 202 cidades da região, incluindo locais estratégicos na área de fronteira, como Tabatinga (AM);

. A facção está presente em 286 municípios da Amazônia Legal, mais de um terço das 772 cidades da região – em 84 delas, como em Santana, no Amapá, há um cenário de disputa com outros grupos.

Isso é o que aponta a 4.ª edição do Cartografias da Violência na Amazônia, divulgado nesta quarta-feira, 19, durante Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30), em Belém. O estudo, um dos mais robustos sobre o avanço do crime organizado na região de floresta, é produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com entidades como os institutos Mãe Crioula e Clima e Sociedade.

Segundo a pesquisa, além do domínio do CV, o Primeiro Comando da Capital (PCC), hegemônico em São Paulo, está em 90 cidades. A leitura de pesquisadores é de que, depois de dominar a chamada “rota caipira”, que liga a fronteira da Bolívia a Estados do Sudeste, a facção tem buscado se estabilizar na Amazônia, mesmo que lá tenha a presença massiva do Comando Vermelho, seu principal rival.

Ao todo, são 17 facções com atuação na Amazônia Legal, incluindo siglas nordestinas, como o Bonde do Maluco (BDM), da Bahia, e os Guardiões do Estado (GDE), do Ceará. A lista inclui ainda três organizações estrangeiras: o Estado Maior Central (EMC) e a Ex-Farc Acácio Medina, da Colômbia, além do Trem de Aragua, da Venezuela.

“A expansão das facções criminosas constitui um dos principais desafios à segurança pública, à governança territorial e à soberania nacional na Amazônia. Observa-se, nos últimos anos, um processo de interiorização e diversificação das dinâmicas criminais, com a consolidação de rotas estratégicas para o tráfico de drogas, armas, minérios e madeira, conectando a região aos mercados nacional e internacional”, diz trecho do estudo. O levantamento aponta que as 17 facções ativas na Amazônia são:

. Comando Vermelho (CV)
. Primeiro Comando da Capital (PCC)
. Amigos do Estado (ADE)
. Bonde dos 40 (B40)
. Primeiro Comando do Maranhão (PCM)
. Família Terror do Amapá (FTA)
. União Criminosa do Amapá (UCA)
. Comando Classe A (CCA)
. Bonde dos 13 (B13)
. Bonde dos 777 (dissidência do CV)
. Tropa do Castelar
. Piratas do Solimões
. Bonde do Maluco (BDM)
. Guardiões do Estado (GDE)
. Trem de Aragua
. Estado Maior Central (EMC)
. Ex-Farc Acácio Medina

O estudo constata que a facção carioca Amigos dos Amigos (ADA) também age de forma associada ao B40 em municípios maranhenses. Porém, por não atuarem de forma autônoma em nenhuma localidade, os ADA não são contabilizados como facção ativa na Amazônia. “Essa configuração, no entanto, deve ser vista com atenção, pois pode indicar o aumento da atuação da ADA na região no futuro”, diz o estudo.

Os pesquisadores afirmam que, em três anos de mapeamento, se observa um processo de consolidação do Comando Vermelho e de “estabilização da influência” do PCC, com forte atuação em Coari (AM), no Médio Solimões, e em Estados como Roraima. As demais facções teriam atuação mais localizada.

O Bonde dos 40, por exemplo, está no Maranhão e em Mato Grosso, com registros em 26 municípios. A Família Terror do Amapá (FTA) opera no Amapá e no Pará, em 8 municípios. O Comando Classe A (CCA) está em 4 municípios, e o Primeiro Comando do Maranhão (PCM), em seis.

“Já a Tropa do Castelar atua em 5 municípios mato-grossenses, enquanto a União Criminosa do Amapá (UCA) aparece em 3 municípios amapaenses. O grupo Piratas do Solimões também foi registrado em 3 municípios, assim como o Amigos do Estado (ADE), com atuação em localidades do Tocantins e Pará”, acrescenta.

A metodologia do estudo sobre facções consiste em análise de documentos, entrevistas com agentes de segurança pública, líderes de comunidades tradicionais e moradores de municípios de interesse. Também são usadas informações jornalísticas, divulgações de operações policiais das forças de segurança e pesquisas de campo in loco. A pesquisa foi realizada de novembro de 2024 a setembro de 2025.

Facções estão em quase metade das cidades da Amazônia

O Cartografias aponta que, dos 772 municípios amazônicos, 344 (44,6%) apresentam alguma evidência da presença de facções, “demonstrando um processo de capilarização que transcende os grandes centros urbanos”. Ao todo, 258 municípios (33,4%) registram a atuação de apenas uma facção, enquanto 86 (11,1%) veem disputas entre duas ou mais organizações criminosas.

É um crescimento expressivo em relação à 2.ª edição do estudo, de 2023, que apontou facções em 178 municípios. Na época, o CV já era considerado hegemônico, com presença em 128 cidades. Mas o número corresponde a menos do que a metade da quantidade de cidades sob influência da facção carioca (286). Os números do PCC na região variaram pouco na região, com presença em 93 cidades, em 2023, e em 90 na última edição da pesquisa.

Há facções em todos os 22 municípios do Acre, aponta a pesquisa. Já Mato Grosso e Pará têm, respectivamente, 92 (65,24% das cidades mato-grossenses) e 91 municípios (63,19% das cidades paraenses) com algum tipo de atuação de organizações criminosas – são os Estados com maior número de municípios com facções.

“O Comando Vermelho mantém hegemonia nas rotas fluviais, especialmente no eixo do Rio Solimões, em articulação com a produção peruana e os cartéis colombianos. O escoamento das drogas segue em direção a centros portuários estratégicos como Manaus, Santarém, Barcarena, Belém e Macapá, utilizando embarcações regionais, lanchas rápidas, submersíveis e ‘mulas’ humanas”, afirma o estudo.

O PCC, por sua vez, tem intensificado o uso de rotas aéreas clandestinas, aproveitando pistas de pouso em garimpos ilegais e unidades de conservação. Como mostrou o Estadão, mapeamento da Secretaria da Segurança Pública amazonense aponta ao menos 200 pistas de pouso clandestinas no Estado.

A região “mais do que nunca se tornou estratégica não apenas para o tráfico na Amazônia, mas para o tráfico internacional de drogas”, afirma ao Estadão Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Estimativas indicam que, somente no Peru, seja produzida uma tonelada de pasta base de cocaína por dia. A droga é comprada por facções brasileiras por cerca de US$ 1 mil e é revendida em outros continentes, como Europa, por US$ 50 mil.

O estudo destaca que, segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), foram produzidas 3.708 toneladas de cocaína pura no mundo em 2023, alta de 34% ante o ano anterior – o maior volume já registrado na história. Já a área de cultivo da folha de coca cresceu 6% no mesmo período.

Taxa de assassinatos na região é 31% maior do que média nacional

No ano passado, a Amazônia Legal teve 8.047 pessoas vítimas de mortes violentas intencionais (MVI), que incluem homicídio doloso e feminicídio,. A taxa de 27,3 assassinatos por 100 mil habitantes é 31% superior à média nacional. O Estado mais violento da região e do País foi o Amapá, com taxa de MVI de 45,1 por 100 mil habitantes.

Entre os nove Estados da Amazônia Legal, Maranhão foi o único que apresentou aumento nas taxas de homicídio entre 2023 e 2024, com crescimento de 11,5%. Segundo o Cartografias, o Estado vê intensa disputa territorial pelo controle do tráfico, que envolve especialmente o Bonde dos 40, o CV e o PCC.

Samira reforça que, em geral, as cidades listadas entre as mais violentas da Amazônia Legal são estratégicas para o tráfico. Seja para a entrada de cargas de droga, como no caso de Tabatinga, na fronteira, ou para a exportação dessa droga, como no caso de Santana, que tem um dos maiores portos da região.

Muitas vezes, alerta ela, a atuação de grupos como CV e PCC afeta também comunidades indígenas. “Para a droga ser transportada por essa região, cortada pela floresta e pelos rios, é comum que as facções utilizem especialmente das populações indígenas e das terras indígenas como pontos de passagem, como estrutura para sua logística”, diz Samira.

Comando Vermelho atua como ‘síndico do garimpo’ em algumas regiões

Estados como o Mato Grosso também chamam atenção pelo avanço de crimes ambientais. “Na terra indígena Sararé (em Conquista D’Oeste, perto da fronteira com a Bolívia), o Comando Vermelho dominou a maior parte do garimpo”, diz Samira. “Cobram taxas pela exploração de todo o garimpo na região e alguns dos garimpos são controlados pelo CV.”

A terra indígena Sararé teve 28,65 km² de área desmatada no ano passado. “Em segundo lugar, está a Terra Indígena Yanomami, em Roraima, com 22,59 km² desmatados. A Terra Indígena Uati-Paraná, no Amazonas, foi a terceira do ranking, tendo 19,88 km² desmatados, evidenciando a pressão crescente sobre áreas tradicionalmente isoladas”, diz o estudo.

A rota amazônica, com destaque para o Rio Solimões, passou a ser alvo de disputa do crime organizado sobretudo após 2016, quando o narcotraficante Jorge Rafaat, conhecido como “Rei da Fronteira”, foi morto a tiros em Pedro Juan Caballero, no Paraguai. O assassinato teria tornado o PCC ainda mais dominante na região, o que dificultou o uso da “rota caipira” por outras facções.

Pesquisadores avaliam que o estudo indica um novo momento do narcotráfico na Amazônia. Se há cerca de uma década o foco era na consolidação de rotas, também por meio de acordos com cartéis colombianos, nos últimos anos passou a intensificar o controle territorial, marca do Comando Vermelho inclusive no Rio de Janeiro.

“Agora eles têm visto que essa expansão pelas cidades da região permite também a ampliação de serviços, que é uma outra característica do Comando Vermelho”, afirma. “Uma década depois da abertura dessa nova rota do Solimões e da consolidação do Comando Vermelho nessa nova rota, eles passam a esse momento de difusão no território.”

O PCC, por outro lado, não tem essa preocupação, porque é uma facção focada no “atacado”, apontam os pesquisadores. Por isso, preocupa-se com cidades estratégicas para o tráfico internacional, carro-chefe da organização criminosa investigada por ter braços inclusive no principal centro financeiro do País, a Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo.

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Por Redação Folha de Guarulhos.

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