Câmara já gastou R$ 3,3 milhões com deputados presos ou fora do Brasil

A Câmara dos Deputados já gastou, em quase dois anos, R$ 3,3 milhões para custear gastos do gabinete de parlamentares que estão presos ou fora do Brasil, sem registrar presença em sessões. Foram cerca de R$ 1,9 milhão gastos com Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), R$ 900 mil com Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e R$ 300 mil com Carla Zambelli (PL-SP). Governistas criticam gastos e até já apresentaram projeto de lei contra “deputado home office”.

Tanto Zambelli como Eduardo, mesmo ausentes e impedidos de receberem salário da Câmara por determinação da Corte, mantêm o mandato de deputado federal e o gabinete ativo, mesmo sem poder registrar presença.

Já Brazão perdeu o mandato em abril deste ano, pouco mais de um ano depois de ser preso preventivamente sob acusação de ser o mandante do assassinato da ex-vereadora do Rio Marielle Franco.

Maior parte dos gastos da Câmara foi em razão do custeio do gabinete. A regra da Casa legislativa diz que parlamentares podem contratar entre 5 e 25 assessores. A verba máxima mensal para ser gasta com essa equipe pode chegar a até R$ 133.170,54.

Os dois deputados do PL pediram licença parlamentar para saírem do Brasil. O primeiro passo foi dado por Eduardo, que foi aos Estados Unidos buscando sanções do governo americano ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

O afastamento, segundo o que determina a Câmara, durou quatro meses e expirou em julho. Desde então, mesmo sem registrar presença em nenhuma sessão, Eduardo mantém um gabinete operante na Câmara.

O mesmo aconteceu com Zambelli, que pediu licença e foi para a Itália após ser condenada pelo STF a dez anos de prisão pela invasão ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ela acabou sendo localizada pela polícia italiana e presa no final de julho.

A licença de Zambelli expirou no começo deste mês de outubro. O gabinete continua ativo mesmo com a deputada presa.

Mesmo durante a licença parlamentar, os funcionários do gabinete de Eduardo e Zambelli continuaram ativos na Câmara.

Procurada, a Casa informou que deputados que tiram licença por motivo de saúde conjuntamente com a licença para tratar de interesse particular mantêm a estrutura do gabinete. Durante esse período, os funcionários, que são pagos com a verba de gabinete, trabalham para o suplente que assumiu a vaga.

O gabinete da deputada Carla Zambelli respondeu à reportagem que a estrutura segue funcionando normalmente.

“A equipe de assessores e colaboradores continua desempenhando suas funções administrativas, legislativas e de atendimento às demandas da população, garantindo a continuidade dos trabalhos e do mandato da parlamentar”, disse a equipe, em nota. “O gabinete permanece comprometido com a responsabilidade institucional e com o pleno exercício das atividades vinculadas ao mandato da deputada.”

Segundo a equipe, mesmo com a deputada presa, os assessores têm a responsabilidade de fazer a execução das rotinas administrativas, gestão de documentos e processos internos, elaboração de estudos e minutas legislativas, acompanhamento de pautas e comissões, atendimento às demandas da população e interlocução com órgãos públicos.

Hoje, o gabinete da deputada mantém 12 funcionários. No mês de setembro, essa equipe custou R$ 103,2 mil da verba da Câmara. A reportagem também perguntou se atualmente há contato direto do gabinete com a deputada. “A equipe da deputada Carla Zambelli é formada por profissionais experientes que já trabalham com ela há bastante tempo e conhecem suas orientações e forma de atuação”, respondeu a equipe.

No gabinete de Eduardo trabalham nove servidores que custam R$ 132,4 mil por mês à Casa. Procurado, o gabinete de Eduardo não respondeu às perguntas da reportagem.

Até o momento, ambos seguem muito pouco produtivos na Câmara. Estando nos Estados Unidos, Eduardo dividiu a coautoria em emendas ao texto da proposta de emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública e foi subscritor de outra PEC que dificulta a criação de moeda digital pelo Banco Central no mês de setembro, depois um hiato produtivo de seis meses.

Governistas criticam gastos da Câmara com os ambos os deputados. É uma vergonha. Eles continuarem recebendo salários e usando verbas de gabinete é um escárnio. Por essas e outras razões, a Câmara dos Deputados está perdendo credibilidade”, disse Helder Salomão (PT-ES).

“Acho isso um absurdo. São deputados que não exercem o mandato plenamente. Dois deles com condenações, e acaba gerando um custo, recurso público, sem gerar qualquer tipo de eficiência política, administrativa, funcional para o Parlamento e a sociedade brasileira”, afirmou o deputado Alencar Santana (PT-SP), primeiro-vice-líder do governo na Câmara.

Santana é autor de um projeto de resolução da Câmara que proíbe o que ele chama de “deputado home office”. O texto diz que, para exercer o mandato parlamentar, o deputado deve apresentar-se à Câmara durante a sessão legislativa “em território nacional”. Caso ele esteja fora do País em afastamento irregular e sem justificativa, ele pode perder o mandato. O texto também proíbe que deputados usem do mandato “para a prática de atos deliberadamente atentatórios à soberania nacional”.

“Defendo a aprovação do nosso projeto, que acaba com o deputado home office, com a possibilidade de exercer o mandato fora do Brasil, com sua estrutura de gabinete funcionando e sendo paga com recurso público. É até ilógico ser eleito para exercer função na Câmara e ficar em outro país”, afirmou o petista.

Diferentemente dos outros dois, Chiquinho Brazão, mesmo preso, continuou recebendo salário, com os descontos relativos às faltas que acumulou em plenário. Ele recebeu, em média, R$ 18,9 mil por mês mesmo estando na cadeia. Ele manteve uma equipe de 24 funcionários no gabinete que custava cerca de R$ 120 mil por mês.

A Câmara chegou a avaliar a possibilidade de cassar Brazão. Em agosto de 2024, o Conselho de Ética aprovou a cassação do parlamentar. O último passo, a votação em plenário, nunca foi dado. Com isso, ele perdeu o mandato apenas em abril de 2025, em razão do número de faltas no ano anterior. Isso pode fazer com que ele mantenha a elegibilidade.

Neste momento, a Casa também avalia a cassação do mandato de Carla Zambelli e Eduardo Bolsonaro. No caso de Zambelli, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) julga o pedido da perda do mandato feita pelo STF. Não há previsão do colegiado julgar esse caso.

“O processo da representação contra a deputada Carla Zambelli ainda está em fase de diligências na CCJ”, diz o gabinete do deputado Diego Garcia (Republicanos-PR), relator que avalia o pedido.

Ele recebeu do STF o relatório de análise que resultou na condenação pela invasão ao sistema e consulta, por meio da advocacia da Câmara, se pode usar informações presentes nos autos, que está sob sigilo, no relatório.

“Enquanto aguardamos o retorno dessas providências, ainda não há previsão de data para a apresentação do parecer do relator nem para a deliberação do caso pela Comissão”, diz a equipe do deputado.

O Conselho de Ética da Câmara avalia representação apresentada contra Eduardo Bolsonaro. O relator da representação, Delegado Marcelo Freitas (União-MG), pediu arquivamento do caso.

Ainda assim, Eduardo poderá perder o mandato em março de 2026, quando a Câmara contabilizará as faltas que ele teve neste ano. Caso tenha mais de um terço de faltas, perderá o mandato.

Para o cientista político Marco Antônio Carvalho Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas, a situação é um problema para o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e aumenta o desgaste da avaliação popular sobre a Casa.

“É uma arapuca que Hugo Motta não consegue desatar”, afirma. “Quando a Câmara mantém o pagamento de três parlamentares que não prestam nenhum serviço à Casa, com o agravamento que Eduardo Bolsonaro está fora do País trabalhando contra o próprio Brasil, a imagem da Câmara fica ainda mais abalada, sobretudo após o episódio da PEC da Blindagem.”

Pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta segunda-feira, 13, mostra que 83% dos brasileiros acreditam que deputados e federais atuam em benefício próprio. O levantamento ainda mostra 58% desaprovam o trabalho da Câmara, e 51% o do Senado.

O cientista Político Cláudio André de Souza, da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), concorda que a manutenção de mandatos desses parlamentares prejudica a percepção popular sobre o Congresso Nacional. “Atitudes como essa de provocar ainda a continuidade de figuras que passam por investigação ou mesmo esse cenário de prisão, de fato não ajuda o Parlamento a se aproximar da sociedade. Tanto na confiança política como na representatividade”, diz.

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