Abner Ivan é chocolatier, nascido em Limeira, no interior de São Paulo, e um grande entusiasta da arte urbana. Há dez anos, o chef ficou em quarto lugar na seletiva latino-americana do World Chocolate Masters. No dia 7 de julho, ele conquistou a primeira colocação e garantiu uma vaga na final mundial que acontece em 2026, na Europa.
Durante as pouco mais de 9 horas de prova, cada um dos quatro competidores escolheu um tema previamente e entregou quatro pratos diferentes, atendendo a exigências específicas. Além de Abner, outro brasileiro ficou entre os quatro escolhidos para a disputa: Rafael Alvarenga. Na competição, também estavam o argentino Alberto Alegre e o colombiano Carlos de Ávila.
As provas
Na edição deste ano, o tema geral escolhido foi “play”, exigindo criatividade e componentes divertidos em cada uma das criações. Antes da produção e entrega de pratos, os candidatos fizeram uma apresentação oral de seus conceitos, com auxílio de uma material audiovisual que ajudasse a contar sua história. Na explanação, eles deveriam contar o que os inspirou a escolher seus temas, o que unia todas as criações, como eles se encaixaram no tema, o que tornava o conceito diferente, onde eles poderiam vender aqueles produtos e como fariam ações de marketing para promovê-los.
Depois disso, as provas práticas começaram. A primeira os desafiou a fazer um doce para compartilhar. Os doces deveriam apresentar, ao menos, três texturas diferentes e deveriam ser feitos 100% do zero, diante dos jurados, com exceção da bandeja ou prato utilizado para servi-lo.
Já a segunda etapa foi focada em bombons, que deveriam ter, ao menos, duas texturas diferentes, sem limitação de ingredientes e as diretrizes pediam criatividade e uma explosão de sabores no paladar.
Daí, a prova mais complexa e diferente do dia teve de ser completada. As esculturas de chocolate deveriam estar atreladas ao tema e, além de serem avaliadas por criatividade, também tinham o desafio de se manter em pé. A ideia era construir uma “caixa da brincadeira”, com uma base de madeira e decoração 100% feita de chocolate. A invenção, ainda, deveria ter relação com o bombom da prova anterior.
A última prova de fogo teve um toque ainda mais confeiteiro. Os participantes deveriam produzir um doce fresco para ser colocado em uma vitrine de loja, devendo ter, necessariamente, dois ingredientes obrigatórios: chocolate à escolha do competidor e um ingrediente-base cultivado ou feito localmente com papel fundamental no sabor de sua confeitaria.
Arte urbana e persistência levaram à vitória
O chef Abner Ivan uniu muitas paixões à sua vocação. O chocolate foi moldado, esculpido e pintado com referências ao grafiti, breakdance e hip hop, que sempre fizeram parte da sua história. Ele buscou passar suas memórias em forma de arte em chocolate.
“O tema ‘play’ tem muitas interpretações e vertentes, então eu trouxe a minha versão, que é um pouco da minha trajetória. Desde pequeno, eu sempre tive contato com arte, pintura em quadros, desenho. Com isso, decidi levar um pouco da minha história e como eu trouxe tudo isso para a minha arte com chocolate. Eu mesmo produzi os moldes, os pratos, tudo foi feito à mão”, destaca. Agradeceu também ao carinho da sua esposa, Natália Marino, chocolatier que o ajudou nos preparativos para o grande dia, “ela sempre está ao meu lado nos desafios no mundo do chocolate”.
Na competição, ele utilizou tanto técnicas clássicas, quanto modernas, dando um toque de brasilidade a cada preparo. Além disso, afirma que seu objetivo era trazer mais sabor, menos açúcar e ter responsabilidade ambiental, respeitando o terroir brasileiro.
Na prova de chocolates para compartilhar, ele serviu uma casquinha de chocolate 70% recheada de ganache de chocolate ao leite com mel de abelhas nativas e amburana, biscuit de caju, gel de cajá, cremoso de cajá com chocolate 70%, biscuit tipo brownie 64% e castanhas do Brasil. Tudo isso servido em um suporte de madeira esculpido e pintado pelo próprio chef.
Acompanhando essa veia artística, o bombom, por sua vez, tinha formato de bico do spray para grafitar e vinha em cima de uma latinha de spray decorada por Abner. A escultura de chocolate conversava com o bombom, trazendo um cenário urbano com referências ao breakdance e bastante arte de rua.
Por fim, construiu uma espécie de vitrine para servir seu último doce. Em um molde que representava uma calçada com um hidrante e uma parede de tijolos grafitada, ele serviu uma esponja de laranja, com ganache montada de chocolate com azeite e nibs de cacau, biscuit de noz-pecã, cremosos de chocolate gold e laranja e mazipan de laranja. Tudo isso, em formato de rolo de tinta, também usado por grafiteiros na sua arte.
Após ser consagrado como o campeão da América Latina, contou que esperava isso há dez anos, “poder representar meu país, minha cidade de Limeira, não tenho palavras. Faz dez anos que eu estou esperando por isso, desde a seletiva que aconteceu aqui nesse mesmo lugar, da qual eu saí com a quarta colocação. Eu não desisti, isso é até um incentivo para os amigos que amam a arte da panificação, confeitaria e chocolateria, jamais desistam dos seus sonhos, da sua arte”.
Os demais competidores
O vice-campeão, Carlos de Ávila, inspirou-se na infância e, mais especificamente, nos desenhos animados, resgatando o programa Pinky e o Cérebro, em sua escultura de chocolate, por exemplo. Além disso, buscou trazer um trabalho de carpintaria como diferencial, já que vem de uma família de carpinteiros. Durante sua apresentação, destacou que sua filhinha o acompanhou o tempo todo no processo de criação.
Já Alberto Alegre ficou com a terceira colocação. Nascido em Buenos Aires, começou na gastronomia por ver a mãe cozinhar e apaixonou-se pela confeitaria e chocolateria. Instrutor de taekwondo e praticante de Tai-Chi, é um entusiasta da cultura oriental e trouxe o origami para todas as suas criações na competição, com formas geométricas bem definidas e aspecto de dobradura em cada detalhe.
Nostalgia é o que não faltou. Os fãs de videogames foram muito bem servidos por referências a jogos dos anos 1980 e 1990 com as criações de Rafael Alvarenga. O chef que ficou em quarto lugar quis homenagear os fliperamas, com um bombom em formato de ficha, escultura baseada em jogos e um doce de vitrine que vinha dentro da caixinha amarela emblemática do Super Mário Bros.
O júri
Para avaliar tudo isso e dar o veredito final, o corpo de jurados contou com um especialista de cada país participante, Renata Arassiro (Brasil), Matias Dragun (Argentina), Victor Araque (Colômbia), além de Milena Vallejos, jurada chilena, escolhida para garantir a parcialidade dos votos. O confeiteiro Flavio Federico foi o presidente do júri.
Federico conta que “a grande surpresa é que todo mundo trouxe algo que a gente nunca tinha visto e pensado, a gente está sempre aprendendo, é muito legal a gente ver que não sabemos de tudo”. Seu destaque foi para o bombom do Alberto Alegre, “ele fez um bombom dentro de um bombom. Colocou um molde de gelatina feito à mão dentro de um bombom com camada fina de chocolate, isso foi muito legal”.
Por fim, revelou que sua prova preferida foi a de doce para compartilhar. “A que eu mais gostei foi essa pelo conceito, que era pensar como se você chegasse na casa de alguém com uma sobremesa, mas que ela tivesse tamanhos diferentes e um mesmo sabor, para atender a todos (e a todas as fomes).”