Embora não seja um item oficial de negociação nesta Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30), o mapa do caminho para transição rumo ao fim dos combustíveis fósseis tem ganhado tração na conferência, com o Brasil como um dos principais atores na defesa da criação de um roteiro.
O tema apareceu em mais de um discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a Cúpula de Líderes. Embora seja um item caro, até o momento não há nenhuma proposta formal do País sobre o tema. O Brasil, no entanto, tem conversado com outros países nas rodadas de negociação.
“Começamos a conversar, mas é preciso respeitar também o tempo da negociação e o engajamento de todos, já que se trata de um esforço coletivo no sentido de fazer a transição energética”, afirmou o secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, embaixador Maurício Lyrio. Ele afirma, porém, que a COP de Belém já está marcada pelo tema.
A pauta, que tem a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, como uma das principais defensoras, ganhou reforços de peso nos últimos dias quando os representantes do Reino Unido e da Alemanha afirmaram, durante um painel com a ministra brasileira, que são favoráveis à construção do mapa do caminho.
O vice-ministro alemão, Jochen Flasbarth, foi enfático ao dizer que apoiaria “qualquer decisão” de criar um roteiro. A enviada especial de clima do Reino Unido, Rachel Kyte, disse ainda que estaria ao lado de Marina neste tema.
A declaração movimentou os corredores da COP e encheu de esperança membros da sociedade civil, que defendem a definição de um cronograma para a transição rumo ao fim do uso de combustíveis fósseis. Além dos dois países, no sábado, 15, foi realizada uma reunião da Comissão Europeia com a organização Beyond Oil & Gas Alliance, que advoga pelo fim do uso de fósseis. O evento teve presença do secretário da UNFCCC, braço do clima da ONU, Simon Stiell, e da ministra Marina Silva.
Não há previsão de que a COP-30 discuta este tópico, mas os países podem tentar incluí-lo em alguma outra discussão, como a de transição justa. “Nos últimos dias vimos mais de 60 países manifestarem de alguma maneira apoio para o desenho de um mapa do caminho para o mundo abandonar os combustíveis fósseis. Agora é a hora desse apoio se materializar em submissões e ser vocalizado nas salas de negociação para que a presidência da COP-30 possa capturar isso no processo”, afirmou ao Estadão a especialista em Política Climática do Observatório do Clima, Stela Herschmann.
Na última quinta-feira, 13, a CEO da COP-30, Ana Toni, comentou sobre o tema. “Ouvi que outros países parecem estar apoiando a decisão de um plano estratégico, mas esse tópico não está nas negociações”, disse, acrescentando, porém, que o tópico vem sendo debatido na agenda de ação.
A agenda de ação é composta por conversas paralelas que ocorrem na COP, onde os países anunciam seus compromissos individuais. No encontro de chefes de Estado, no início do mês, a diplomacia brasileira centrou todos os esforços em fazer decolar o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), que prevê a reversão do lucro gerado para pagamento por preservação das florestas.
Agora, o Brasil atua para destravar ao menos uma decisão que fixe uma data para elaboração desse mapa do caminho. O País tem clareza de que a construção do mapa em si seria muito difícil, mas acredita que é possível definir um prazo para iniciar as discussões e entregar alguma proposta nas COPs seguintes.
“O mundo precisa de um mapa do caminho claro para acabar com essa dependência dos combustíveis fósseis”, disse o presidente Lula em um de seus discursos. Apesar da fala pública na COP, Lula apoia a abertura de uma nova frente de exploração de petróleo na Margem Equatorial, próximo à foz do Rio Amazonas. Em outubro, a Petrobras recebeu uma autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para buscar petróleo no local.
Fim de subsídios ‘ineficientes’
A percepção do governo é que o TFFF foi um instrumento importante para reforçar a confiança entre os países, uma vez que nações emergentes, como o Brasil e a Indonésia, também tiraram dinheiro do bolso, como uma contribuição de US$ 1 bilhão cada. A iniciativa é vista como uma forma de oferecer uma boa sinalização de que todos estão dispostos a colaborar contra a mudança do clima, ainda que o presidente Lula faça cobranças reiteradas por mais financiamento.
A ideia de estabelecer esse cronograma é uma defesa pessoal da ministra Marina Silva para esta COP. Há alguns meses, a chefe do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima tem manifestado a interlocutores o desejo de que o Brasil tenha liderança neste tema.
Durante as reuniões preparatórias da COP, que ocorreram em Brasília, Marina chegou a abordar o tema em uma das sessões plenárias. Na ocasião, a ministra citou a decisão da COP-28, em Dubai, que acordou a transição rumo ao fim dos combustíveis fósseis. Marina defendeu ainda o fim dos subsídios “ineficientes” para essa fonte de energia.
Apesar da intenção, a tarefa não é fácil e enfrenta resistência sobretudo do grupo árabe, que reúne grandes produtores de petróleo, como os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita. Os árabes inclusive têm atuado para empatar outro tópico de interesse do Brasil: a adaptação climática. Segundo fontes que acompanham as negociações, esses países costumam usar o impasse no tema de adaptação para barganhar por decisões favoráveis na área de mitigação, que em geral concentra medidas relacionadas aos fósseis.


