A operação mais letal da história do Rio de Janeiro, que deixou mais de 120 mortos na última terça-feira, 28, também atingiu um animal de estimação. O cachorro Scooby, de sete anos e da raça cane corso, foi alvo de uma das munições disparadas durante a ofensiva policial, que mirou lideranças do Comando Vermelho (CV) em incursões realizadas nos complexos do Alemão e da Penha, zona norte do Rio.
O animal foi levado para o Hospital Municipal Veterinário São Francisco de Assis, em Irajá, por volta das 19h20, com uma bala alojada próximo da virilha esquerda. Scooby recebeu os primeiros atendimentos médicos. A equipe tentou realizar a retirada da bala, mas não conseguiu encontrá-la. O animal então teve o quadro estabilizado.
Mesmo com o projétil ainda dentro do corpo, o cachorro foi liberado e retornou para os cuidados da família. Nesta quarta-feira, 29, porém, o hospital teve conhecimento de que Scooby não estava conseguindo se alimentar e retomou os cuidados do animal, que agora se encontra em um abrigo municipal à espera de novos exames de ressonância que vão ajudar a localizar o projétil para realizar a cirurgia de retirada.
O motorista Hélio Fernando de Abreu da Silva, tutor do animal e morador de Olaria, comunidade que fica no Complexo da Penha, conta que os tiros começaram por volta das 7h, quando o Caveirão (veículo blindado da Polícia Militar), passou pela sua rua. Ele, a mulher e os filhos estavam no andar de baixo, mas o cachorro estava no terraço da residência.
“Foi quando eu escutei o choro do Scooby. Minha esposa e as crianças começaram a chorar já imaginando que ele tinha sido atingido, mas não tinha como subir para poder ver (como ele estava). Era muito tiro, minha casa foi alvejada várias vezes”, contou o motorista ao Estadão.
Depois de ver Scooby atingido, Hélio não pôde ajudar como gostaria. Ainda com a comunidade tomada pelo som de disparos, ele não se sentia seguro para levar o cachorro até o hospital veterinário. “Não tinha como sair. Era muito tiro”, lembra.
Só por volta das 18h, cerca de nove horas depois do início do tiroteio, Hélio conseguiu enrolar Scooby em um lençol e levá-lo, com a ajuda de um amigo adestrador, para o Hospital Veterinário São Francisco de Assis.
“Foi uma sensação muito ruim querer socorrer o Scooby e não poder, e ver todo o sofrimento dele. O grito que ele deu quando foi atingido não sai do meu pensamento”, disse Hélio. “Mas, Graças a Deus, ele foi muito bem atendido”.
De acordo com o secretário Luiz Ramos Filho, titular da pasta de Proteção e Defesa dos Animais, não é possível afirmar, ainda, se o cachorro terá sequelas. “Ele vai passar por um raio-x e vai depender da avaliação dos médicos veterinários para determinar a data da cirurgia”, disse.
Ele explicou que Scooby foi liberado mesmo com o projétil alojado no corpo porque o hospital veterinário tinha a responsabilidade de realizar o primeiro atendimento emergencial e estabilizar o quadro de saúde do cachorro.
“A gente faz esse primeiro atendimento, mas a sequência dos cuidados deve ser buscada pelos tutores”, diz. “Mas entramos em contato depois com a família, que nos contaram que ele não estava se alimentando. Por isso nós o buscamos de volta para realizar a cirurgia”.
De acordo com o secretário, este foi o único animal atendido pela prefeitura do Rio durante ou após as operações, mas ele não descarta outros casos que possam não ter chegado ao conhecimento da pasta.
O Scooby foi o segundo animal baleado este mês atendido pelas equipes municipais, e o sétimo se somar com as ocorrências de setembro.
Ramos explica que animais baleados são comuns nas comunidades tomadas pelas organizações criminosas e que há até cachorros jurados de morte. “É normal o criminoso se esconder em alguma casa e o cachorro, ao ficar latindo para ele, tomar um tiro”, diz.
Batizada de Contenção, a operação policial da terça-feira contou com 2,5 mil agentes e causou a morte de ao menos 121 pessoas, além da prisão de outras 113, conforme dados divulgados pelo governo fluminense. Já a Defensoria do Rio afirma que o total de óbitos foi de 132.
Na terça, o governo divulgou que 64 pessoas tinham morrido na operação, sendo quatro policiais – o dado foi corrigido para 58 posteriormente. Nesta quarta, porém, dezenas de corpos foram localizados em uma região de mata e levados para Praça São Lucas, no complexo da Penha, durante a madrugada e o início da manhã. Segundo moradores, alguns dos corpos estavam amarrados e apresentavam marcas de faca.
De acordo com o governo, 118 armas foram apreendidas na ação, incluindo 90 fuzis, 26 pistolas e um revólver. Drogas também foram localizadas, mas a gestão de Claudio Castro (PL) afirmou que a quantidade dos entorpecentes ainda estava sendo contabilizada.


