Após rondar a estabilidade pela manhã, o dólar se firmou em leve alta ao longo da tarde desta quarta-feira, 22, com a piora do apetite ao risco no exterior e certa cautela em torno do quadro fiscal doméstico, em meio às negociações em torno de medidas para ampliar a arrecadação e reduzir gastos. A perspectiva crescente de um encontro entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, nos próximos dias não conseguiu dar fôlego ao real.
Após máxima de R$ 5,4137, o dólar à vista encerrou o pregão desta quarta-feira, 22, em alta de 0,12%, a R$ 5,3969. Em outubro, a divisa apresenta valorização de 1,39%. No ano, a moeda recua 12,67% em relação ao real, que exibe o melhor desempenho entre as divisas latino-americanas no período.
Termômetro do comportamento do dólar na comparação com uma cesta de seis divisas fortes, o índice DXY rondava a estabilidade no fim da tarde, pouco acima dos 99,900 pontos, após mínima aos 98,786 pontos. Apesar dos ganhos de mais de 2% do petróleo, divisas emergentes pares do real passaram a recuar em relação ao dólar durante a segunda etapa de negócios, embora em menor magnitude. A exceção foi o peso colombiano, com perdas de mais de 0,50%, abalado pela crise diplomática com os EUA.
A economista-chefe do Ouribank, Cristiane Quartaroli, afirma que há um clima de cautela que permeia os negócios, em meio à ausência da divulgação de indicadores americanos com o shutdown do governo americano e à expectativa pelo encontro entre Trump e o presidente chinês, Xi Jinping, no fim do mês.
“O dólar deu uma piorada à tarde sem um motivo específico. Mas pode ser que haja uma postura mais defensiva com a expectativa de votação de projetos para aumentar a arrecadação na Câmara, como a taxação das bets”, afirma a economista.
No início da tarde, a Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei do líder do PT, Lindbergh Farias (RJ), que dobra a taxação sobre as bets, de 12% para 24%. O regime de urgência acelera a tramitação da matéria e possibilita que o texto seja apreciado no plenário, a depender de decisão do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB)
Mais cedo, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, afirmou que as alternativas desenhadas pelo governo à Medida Provisória (MP) 1.303 devem render, “em linhas gerais”, o mesmo volume de receitas e corte de despesas que eram previstos com o texto. O governo pretendia arrecadar R$ 20,9 bilhões por meio de iniciativas previstas na MP no ano que vem, e obter uma economia de R$ 10,7 bilhões em gastos – no valor total de R$ 31,6 bilhões.
À tarde, o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Benjamin Zymler apresentou proposta de afastamento da obrigação de perseguir o centro da meta de resultado primário em 2025. Fontes ouvidas pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) relataram que a equipe econômica e o TCU buscavam alternativas para evitar o contingenciamento abrupto de cerca de R$ 30 bilhões neste ano, justamente para cumprir o alvo central.
Para o gerente de câmbio da Treviso Corretora, Reginaldo Galhardo, embora em segundo plano na dinâmica recente de formação da taxa de câmbio, o quadro fiscal doméstico segue como um obstáculo a uma nova rodada de apreciação do real, apesar da forte atratividade do carry trade com a perspectiva de manutenção da taxa Selic em 15% pelo menos até o fim do ano.
“Existem muitas dúvidas sobre como o governo vai fechar as contas após a derrubada da MP. E também há um temor de medidas mais populistas já mirando a eleição presidencial no ano que vem”, afirma Galhardo.
À tarde, o BC informou que o fluxo cambial em outubro, até o dia 17, está negativo em US$ 1,514 bilhão, em razão de saídas líquidas de US$ 4,789 bilhões pelo canal financeiro. No ano, o fluxo total é negativo em US$ 18,857 bilhões.
Bolsa
O Ibovespa voltou a testar os 145 mil pontos na máxima desta quarta-feira, em nível não visto em fechamento desde o último dia 1º, sem consegui-lo sustentar mais uma vez no encerramento da sessão, ainda em alta de 0,55%, aos 144.872,79. Nesta quarta, oscilou dos 144.038,76 aos 145.047,73 pontos, nos extremos da sessão, em que saiu de abertura aos 144.093,68 pontos. Como na terça-feira, o giro financeiro se manteve moderado nesta quarta-feira, a R$ 17,9 bilhões. Na semana, em três sessões, o Ibovespa agrega 1,03%, ainda cedendo 0,93% no mês – no ano, sobe 20,44%.
Com ganhos nos carros-chefes Vale (ON +1,78%) e Petrobras (ON +1,67%, PN +1,15%), e avanço também nas ações de grandes bancos, com destaque para a principal delas, Itaú (PN +0,82%, na máxima do dia no fechamento), o índice da B3 se descolou do ajuste em Nova York, onde as perdas nesta quarta-feira chegaram a 0,93% no Nasdaq, no encerramento. Na ponta ganhadora, Vamos (+5,48%), Auren (+3,82%) e MRV (+3,46%). No lado oposto, Assaí (-7,08%), C&A (-2,92%) e Fleury (-2,69%).
“Vale trouxe ontem à noite os maiores dados sobre produção de minério de ferro da empresa desde 2018, com Petrobras acompanhando a alta do petróleo, de mais de 2% no encerramento de Londres e Nova York e chegando a patamar em torno de 4% no fim da tarde”, diz João Ferreira, sócio da One Investimentos, mencionando também o fechamento da curva doméstica de juros futuros na sessão, o que contribui para o apetite por ativos de risco, como as ações.
Lá fora, “os ativos de risco mostram que os investidores estão adotando uma postura mais cautelosa em meio ao cenário de paralisação do governo americano e de incertezas comerciais entre Estados Unidos e China”, diz Luise Coutinho, head de produtos e alocação da HCI Advisors, mencionando, também, a decepção em Nova York em torno dos resultados trimestrais da Netflix, abaixo do esperado.
No cenário doméstico, em meio às persistentes preocupações do mercado com relação à situação fiscal, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, disse, em evento, que o governo vai manter a meta de déficit zero em 2025 e que projeta para 2026 o primeiro superávit primário, de 0,25% do PIB, destaca Luise, da HCI Advisors.
“Dia foi de leve alta para o dólar, sem muitos fatores novos no cenário macro para orientar os negócios, e a Bolsa local refletindo mais os balanços de empresas e os dados de produção da Vale, com expectativa positiva também do mercado para o que pode vir do encontro, neste fim de semana, entre os presidentes Lula e Trump na Ásia”, diz Daniel Teles, especialista e sócio da Valor Investimentos. À vista, a moeda americana fechou o dia com ganho de 0,12%, a R$ 5,3969.
Para Marcos Praça, diretor de análise na ZERO Markets Brasil, no exterior, o “morde e assopra” de Trump com relação à China tem resultado em volatilidade acentuada em ativos como o ouro – uma referência de proteção que vinha registrando valores históricos de ganhos, mesmo com o cenário de juros globais ainda relativamente altos. “Sexta-feira traz dados importantes sobre inflação ao consumidor, nos Estados Unidos, antes da próxima reunião do Federal Reserve sobre juros”, acrescenta.
Juros
Mesmo em um dia de agenda de indicadores fraca e pouca ajuda do dólar, que teve ligeira alta na sessão, os juros futuros negociados na B3 marcaram o terceiro pregão seguido de queda firme nesta quarta-feira, 22.
O comportamento benigno refletiu principalmente a leitura disseminada nas mesas de renda fixa desde o início da semana de que a dinâmica de preços tem evoluído de forma mais favorável, assim como perspectivas de um resultado mais baixo para o IPCA-15 de setembro, a ser divulgado nesta sexta-feira, 24.
A conjuntura de declínio das cotações de commodities em reais, melhora das expectativas inflacionárias e desaceleração da atividade poderia, na visão de alguns agentes, antecipar o ciclo de flexibilização monetária. Do lado fiscal, declarações do secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, que sinalizaram maior comprometimento do governo com a meta de resultado primário também deram apoio à redução dos prêmios de risco, observa Rostagno.
Encerrados os negócios, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2027 cedeu de 13,926% no ajuste de terça-feira para 13,880%. O DI para janeiro de 2028 caiu de 13,237% no ajuste para 13,170%. O DI para janeiro de 2029 marcou 13,145%, de 13,204% no ajuste anterior. O DI para janeiro de 2031 diminuiu de 13,485% no ajuste a 13,420%.
Segundo um operador de uma grande tesouraria, o quadro inflacionário está “muito bom”, com continuidade da queda das cotações de matérias-primas em reais e das estimativas do mercado para a alta do IPCA à frente. O cenário já positivo tem ainda ajuda adicional da redução de 4,9% da gasolina anunciada nesta semana pela Petrobras, acrescenta ele.
Para o operador, que falou em condição de anonimato, o ambiente de descompressão inflacionária ainda não dá conforto para uma redução mais tempestiva do juro básico, uma vez que o BC está com foco maior no mercado de trabalho e no câmbio. “Mas acho que o mercado está operando isso sim”, afirmou, acrescentando que os investidores podem te elevado a exposição aos DIs, no aguardo de um número menor para o IPCA-15 deste mês. “O IPCA-15 tende a ser bom”, concordou um gestor de renda fixa de uma grande asset.
Embora um corte não deva ocorrer em dezembro, tendo em vista o discurso duro do BC, a tendência de queda global das commodities e de valorização do real ao longo do ano retira pressão da inflação doméstica e abre espaço para que o ciclo de afrouxamento monetário tenha início entre a primeira e segunda reunião de 2026 do Copom, avalia Matheus Spiess, analista da Empiricus Research. “Os vértices curtos da curva refletem essa visão do mercado”, disse, enquanto os trechos mais longos têm acompanhado o fechamento da curva de Treasuries.
Já Rostagno, da EPS Investimentos, aponta que o cenário doméstico teve influência preponderante sobre o ‘price-action’ hoje, não só com a visão mais favorável do mercado sobre o comportamento da inflação, mas também após as declarações de Durigan a respeito de compensações para fazer frente à derrota da Medida Provisória (MP) 1.303.
No final da manhã, Durigan disse que a medidas desenhadas pelo Executivo devem render, em “linhas gerais”, o mesmo montante de receitas e cortes de despesas que eram previstos com MP do IOF, que somam cerca de R$ 30 bilhões. Os vértices mais longos da curva renovaram mínimas intradia após as falas. “As declarações do secretário foram positivas, ao reforçarem o compromisso com a meta”, avalia Rostagno.
Spiess, da Empiricus, pondera que, embora os juros futuros tenham recuado também em resposta ao plano do governo, as medidas apresentadas estão longe de endereçar o problema fiscal brasileiro, que são de ordem estrutural. Por isso, para ele, a leitura de convergência mais rápida da inflação fez mais preço na queda dos DIs nesta quarta.