Há algo de poderoso na união entre esporte e infância. Nos campos, quadras e piscinas, crianças e adolescentes encontram sonhos, aprendem a competir e a colaborar, desenvolvem talentos e moldam suas personalidades.
O esporte é um território fértil para o crescimento humano, onde cada treino é uma lição, cada partida uma metáfora da vida. Mas, como todo território fértil, ele também atrai aqueles que desejam explorá-lo de forma vil. É nesse contexto que a Lei nº 15.032/24, surge como uma espécie de goleiro, protegendo o gol mais precioso de todos: a integridade e os direitos das crianças e adolescentes.
A legislação, que altera a Lei Geral do Esporte, não é apenas um texto legal; é um compromisso ético com o futuro. Ela estabelece que as entidades desportivas que recebem recursos públicos devem adotar medidas para prevenir abusos e exploração sexual de jovens. Essa exigência não é apenas uma formalidade, mas uma tentativa de criar barreiras efetivas contra práticas que, infelizmente, têm manchado o universo esportivo em todo o mundo.
O impacto dessa lei transcende o campo jurídico. Ela impõe uma reflexão sobre o papel do esporte em nossa sociedade e sobre como tratamos aqueles que sonham alto, mas ainda são vulneráveis. A obrigatoriedade de criar campanhas educativas, qualificar profissionais, estabelecer ouvidorias e prestar contas são medidas que, embora possam parecer meramente administrativas, tocam na essência de como o esporte deve ser gerido: com ética, responsabilidade e um compromisso inegociável com a dignidade humana.
Ainda assim, não podemos ignorar os desafios que essa legislação traz. Implementar as exigências previstas demanda estrutura, recursos e tempo, algo que muitas entidades desportivas, especialmente as de menor porte, não possuem em abundância. Para alguns clubes de base, que já lutam para se manter em funcionamento, a obrigatoriedade de criar ouvidorias ou registrar escolas de formação em conselhos municipais pode ser um obstáculo difícil de transpor. A boa intenção da lei, portanto, precisa vir acompanhada de suporte técnico e financeiro do poder público, para que as medidas sejam viáveis na prática.
Outro ponto delicado é o risco de que a suspensão de recursos públicos, em caso de descumprimento, prejudique diretamente aqueles que a lei busca proteger. Um clube que perde financiamento não deixa de existir apenas no papel. Ele deixa de oferecer treinos, oportunidades e um ambiente de aprendizado para crianças e adolescentes. A punição, nesse caso, deve ser calibrada com cuidado, para evitar que as vítimas do sistema sejam duplamente penalizadas.
No entanto, é preciso enxergar a Lei nº 15.032/24 em sua essência transformadora. Ela não apenas previne abusos, mas redefine o que esperamos do esporte enquanto prática social. Não se trata apenas de formar atletas vencedores, mas cidadãos íntegros. A qualificação dos profissionais para atuarem de forma preventiva e a conscientização dos pais sobre as condições de formação dos jovens atletas são passos fundamentais para criar um ambiente de confiança, onde os sonhos possam florescer sem medo.
A legislação também lança luz sobre um tema frequentemente ignorado: o tráfico interno e externo de atletas. Ao abordar essa questão, a lei mostra que entende a complexidade do problema. A busca por jovens talentos não pode ser uma desculpa para a exploração ou a negligência. Todo jovem atleta é, inicialmente, um ser humano com direitos que devem ser respeitados.
Talvez o maior mérito da Lei nº 15.032/24 seja nos lembrar que o esporte, por mais apaixonante que seja, não é uma bolha isolada. Ele é reflexo da sociedade em que vivemos e, ao mesmo tempo, uma ferramenta poderosa para transformá-la. Ao condicionar o repasse de recursos públicos a práticas éticas, a lei reafirma um princípio essencial: o dinheiro público deve estar a serviço do bem comum, e não de interesses privados ou negligentes.
Como qualquer nova legislação, esta também enfrentará resistências. Ela entrará em vigor seis meses após sua publicação oficial, oferecendo um prazo para que todas as entidades esportivas se ajustem às novas exigências.