A palavra-chave Bolsonaro se impôs aos negócios com ativos brasileiros nesta última sessão da semana, pautada ainda pela tensão comercial e política entre Brasil e Estados Unidos iniciada pelo presidente Donald Trump ao vincular sobretaxa de 50% a importações de um país, cujas instituições, segundo ele, estariam injustamente perseguindo o ex-dirigente – a quem não tem como “amigo”, mas a quem Trump considera um homem “honesto”. A escalada da confusão entre política doméstica e relações exteriores lançou os ativos daqui em espiral negativa, com o Ibovespa no menor nível de fechamento em quase três meses.
Nesta sexta-feira, 18, o índice da B3 oscilou entre mínima de 133.295,60 e máxima de 135.562,46 pontos, nível correspondente à abertura do dia. Ao fim, mostrava perda de 1,61%, aos 133.381,58 pontos, no menor nível de encerramento desde 23 de abril, então aos 132.216,07 pontos. O giro financeiro nesta sexta-feira de vencimento de opções sobre ações subiu para R$ 26,3 bilhões. Na semana, o Ibovespa registrou perda de 2,06%, após retração de 3,59% no intervalo anterior. No mês, recua agora 3,94%, reduzindo o avanço do ano a 10,89%. Em porcentual, a perda de hoje foi a maior para o Ibovespa desde 4 de abril, quando havia cedido quase 3% (-2,96%).
A correção em curso no principal índice da Bolsa brasileira o afasta um pouco mais da máxima história de 141 mil pontos, sustentada no fechamento de 4 de julho, há exatamente duas semanas. De lá para cá, vieram dez sessões e, em apenas duas delas, ontem e anteontem (ambas por muito pouco), conseguiu escapar do campo negativo. No fechamento de 4 de julho, recorde histórico, o Ibovespa acumulava ganho de 17,44% no ano, e subia 1,73% no mês, no agregado de quatro sessões.
Trump só recuará na política tarifária contra o Brasil se obtiver uma “sensação de vitória” e é isso que o Brasil precisa entregar do ponto de vista psicológico. A avaliação foi feita durante reunião do grupo LIDE, hoje, com empresários em São Paulo, segundo fontes ouvidas pela Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), reportam as jornalistas Caroline Aragaki e Júlia Pestana. Aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e do deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL) apostam em nova reação de Donald Trump após Bolsonaro se tornar alvo de busca e apreensão e de medidas cautelares, reportam as jornalistas Adriana Victorino e Bianca Gomes, do Estadão.
A expectativa dos bolsonaristas é de que Trump “dobre a aposta” no apoio ao ex-presidente brasileiro e anuncie novas tarifas ou mesmo uma retaliação direta ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Moraes autorizou a operação da Polícia Federal ocorrida nesta sexta-feira – em que Bolsonaro passou a ser monitorado com uma tornozeleira eletrônica e a quem foi determinado afastamento de redes sociais, bem como restrição de deslocamentos e proibição de falar com o filho Eduardo, que decidiu morar nos Estados Unidos.
Ainda no começo da tarde, a Primeira Turma do STF formou maioria para manter as medidas restritivas impostas ao ex-presidente pelo ministro Moraes. Acompanharam o relator da ação os ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin. Com a maioria atingida no plenário virtual, as medidas cautelares impostas por Moraes foram referendadas. Ainda faltavam os votos dos ministros Luiz Fux e Carmen Lúcia: a sessão virtual foi aberta ao meio-dia e se estende ao fim da noite desta sexta-feira.
“Mais um dia ruim para o fechamento da sessão e da semana, vinculado a questões associadas a decisões do STF, com a operação da PF sobre Bolsonaro que pode elevar a agressividade do governo Trump contra o Brasil”, diz Bruna Centeno, economista, sócia e advisor na Blue3 Investimentos. “Na carta aberta de ontem (quinta, 17), em novo apoio público de Trump ao ex-presidente brasileiro, não passou despercebida ao mercado a observação de que a Casa Branca continuará monitorando de perto a situação política no Brasil”, acrescenta a economista, observando que a questão tarifária dos EUA com relação ao Brasil segue em terreno instável e movediço.
“Há uma escalada da disputa, com reverberações também, positivas, para a popularidade de Lula em retomada para a eleição de 2026, de que Bolsonaro não poderá participar por decisão do STF. E a Bolsa tem sentido, refletido tudo isso, com efeito também para o câmbio, em alta do dólar frente ao real, e para a curva do DI, que avança”, diz Bruna.
Para Felipe Papini, sócio da One Investimentos, a acentuação das perdas do Ibovespa à tarde, assim como a alta do dólar – a R$ 5,58 no fechamento – e a pressão observada na curva de juros doméstica, também se relaciona à virtual coincidência entre a carta de ontem, de Trump, e a operação da PF nesta sexta-feira. Uma justaposição que pode ser interpretada pelo viés de causa e efeito: um combustível que acentua incertezas com relação ao uso da arma comercial pelo segundo maior parceiro do Brasil – os EUA sob Trump – para manter o cerco sobre questões domésticas do país, como as deliberações do STF.
“Há o temor real de que Trump use a situação para justificar uma escalada tarifária contra o Brasil, o que pegaria, diretamente, setores mais exportadores, como o agronegócio, a aviação e a manufatura”, resume Christian Iarussi, economista e sócio da The Hill Capital, acrescentando que o dia de vencimento de opções sobre ações favoreceu, também, uma atitude mais cautelosa dos investidores – o que resulta em “movimento natural de busca por proteção e a redução de exposição ao risco Brasil”.
Assim, na B3, dentre as ações de primeira linha, a principal delas, Vale ON, conseguiu encerrar o dia no campo positivo, moderadamente (+0,48%). Apenas 12 dos 84 componentes do Ibovespa fecharam a sessão em alta, com destaque para Vivara (+1,35%), Engie (+1,04%) e Taesa (+0,68%). Na ponta oposta, Braskem (-7,59%), Yduqs (-7,45%) e B3 (-5,60%). Entre as blue chips, Petrobras recuou 1,49% (ON) e 1,53% (PN), em dia de ajuste muito discreto na cotação do petróleo, em leve baixa. Entre as maiores instituições financeiras, as perdas foram de 1,82% (Itaú PN) a 5,19% (Santander Unit, na mínima do dia no fechamento assim como Bradesco ON: -2,32%).
Contudo, depois de duas semanas consecutivas de perdas para o Ibovespa, o mercado volta a ponderar chance de reação na próxima semana, conforme o Termômetro Broadcast Bolsa. Na edição da última sexta-feira, 80% dos participantes esperavam que o índice terminasse a atual semana perto da estabilidade, enquanto 20% esperavam recuo. Para a semana que vem, a estimativa de alta volta ao radar, com 57,14% dos participantes confiantes na valorização. Para 28,57%, o índice ficará perto da estabilidade, enquanto 14,29% esperam queda.
Ainda há questões importantes em aberto que dificultam a orientação direcional da Bolsa brasileira, ressalta Ian Lopes, economista da Valor Investimentos. “Incerteza predomina com o tarifaço de Trump: não se tem resposta concreta com relação ao que ainda pode acontecer, se de fato os dois países vão se sentar para negociar e chegar a um acordo comercial ou se o Brasil vai aplicar a reciprocidade. E também não se sabe se os Estados Unidos poderão aumentar, ainda mais, as tarifas”, acrescenta.
Nesse sentido, de acirramento da tensão bilateral, Trump reiterou hoje que o grupo Brics – do qual o Brasil é um dos fundadores – “tenta acabar com o domínio do dólar” e que, dessa forma, aplicará tarifas de 10% aos países que compõem o bloco. “Não podemos deixar que ninguém brinque com a gente, com o nosso dólar”, afirmou.
Trump disse também que os Estados Unidos têm “grandes acordos comerciais para anunciar muito em breve” – e que decisões podem ser divulgadas ainda nesta sexta-feira. “Toda carta que enviamos já é um acordo comercial. Depois, podemos negociar de novo”, acrescentou.
Para os estrategistas do Citi, as tarifas de Trump aumentam a incerteza em um cenário já nebuloso no Brasil, em meio aos embates do Planalto com o Congresso. E pela retórica da Casa Branca, o presidente americano tem mostrado menos apetite para negociações, adotando postura mais firme, o que inclui a relação com Brasília. Em relatório, o Citi espera que algum tipo de negociação reduzirá a tarifa de 50% para a casa dos 20%, mas com a ressalva de que o caminho para isso será “longo e tortuoso” – como na clássica canção dos Beatles, “The Long and Winding Road”, reportam os jornalistas Altamiro Silva Júnior e Aline Bronzati, da Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado).
Dólar
O dólar à vista acelerou o ritmo de alta ao longo da tarde desta sexta, 18, e se aproximou do nível de R$ 5,60 com busca por posições defensivas na véspera do fim de semana. Investidores reduzem exposição a ativos brasileiros diante de temores de que o presidente dos EUA, Donald Trump, anuncie sanções ao Brasil ou até mesmo a autoridades brasileiras, após as medidas restritivas impostas hoje pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Em parte da manhã, o real até experimentou um período breve de apreciação, amparado pela alta do petróleo e pelo enfraquecimento global da moeda americana em meio a sinais de que um início de processo de cortes de juros pelo Federal Reserve está cada vez mais próximo. A virada da commodity para o campo negativo e as crescentes tensões políticas acabaram jogando o dólar para cima no mercado local.
Com mínima a R$ 5,5240 e máxima a R$ 5,5980, o dólar à vista encerrou o pregão desta sexta-feira, 18, em alta de 0,73%, cotado a R$ 5,5876 – no maior valor desde 4 de junho (R$ 5,6455). A arrancada de hoje levou a divisa a terminar a semana com avanço de 0,72%, alçando os ganhos acumulados no mês a 2,82%. No ano, as perdas, que foram superiores a 12%, agora são de 9,59%.
“O real destoou das outras moedas, que se apreciaram contra o dólar, porque há uma redução da exposição ao risco na véspera do fim de semana com o aumento da incerteza após as medidas do STF. Ninguém sabe qual vai ser a reação de Trump”, afirma o economista-chefe da corretora Monte Bravo, Luciano Costa. “Trump tem o histórico de atacar para depois negociar, mas as tarifas não foram motivadas apenas por questões comerciais e há uma situação de confronto com a reação do governo brasileiro”.
Ontem, Trump divulgou uma carta de apoio a Bolsonaro, na qual afirmou que vê “o terrível tratamento” que o ex-presidente estaria “recebendo nas mãos de um sistema injusto”. No fim da tarde, Trump voltou a criticar o Brics, reafirmando que o bloco “tenta acabar com o dólar”. Ele repetiu a promessa de impor tarifas de 10% a todos os países do grupo, mas não citou especificamente o Brasil.
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, anunciou a imposição de uma série de medidas cautelares a Bolsonaro, como uso de tornozeleira eletrônica, proibição de acesso a redes sociais e recolhimento domiciliar entre 19h e 17h, após pedido da Polícia Federal com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR). Moraes listou como motivos como coação, obstrução e atentado à soberania nacional.
Bolsonaro e o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro, seu filho, atuam para que os Estados Unidos imponham sanções contra autoridades brasileiras, afirma a PF, que realizou operação de busca e apreensão em endereços ligados ao ex-presidente. Em sua defesa, Bolsonaro negou a articulação com seu filho que levou a imposição de tarifas ao Brasil e disse se sentir “humilhado com tornozeleira”.
Parte da escalada do dólar à tarde veio após a primeira turma do STF formar maioria para manter as decisões de Moraes. Houve desconforto com o apoio público ao ex-presidente vindo do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, visto como virtual candidato da oposição no pleito de 2026. Além disso, Eduardo Bolsonaro, que é considerado como alguém próximo de Trump, voltou a atacar Moraes, a quem chamou de “gângster” e “bandido de toga”.
Para o economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsoi, eventuais sanções individuais a autoridades brasileiras, em especial o ministro Alexandre de Moraes, tendem a ter impacto limitado na dinâmica dos ativos locais. Caso a opção de Trump seja por uma ação mais abrangente contra o Brasil, é possível que haja uma depreciação mais acentuada do real no curto prazo.
“O governo Lula reagiu às tarifas porque sabe que o confronto com Trump é favorável do ponto de vista eleitoral”, afirma Borsoi, em referência ao pronunciamento do presidente em rede nacional na noite de quinta-feira. “A expectativa é que haja pressão de empresários daqui e dos EUA para negociar algo em relação às tarifas até 1º de agosto”.
Juros
A curva de juros mostrou alta em praticamente todos os vencimentos nesta sexta, 18, tendência que ganhou força ao longo do dia, à medida que investidores ampliaram temores a respeito de uma ofensiva mais intensa dos Estados Unidos contra o Brasil. O gatilho para a piora foi a crise política instaurada pelo novo inquérito da Polícia Federal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Encerrados os negócios, o contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) que vence em janeiro de 2026 ficou em 14,965%, vindo de 14,943% no ajuste de ontem. O DI de janeiro de 2027 passou de 14,339% no ajuste da véspera para 14,365%. O DI de janeiro de 2028 avançou de 13,687% no ajuste antecedente a 13,735%, e o contrato do primeiro mês de 2029 marcou 13,655%, ante 13,593% no ajuste de quinta.
Por volta das 13h30, as taxas chegaram a tocar as máximas intradia em vários vértices. O fôlego adicional ocorreu após a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) ter formado maioria para manter as medidas restritivas impostas a Bolsonaro pelo ministro Alexandre de Moraes.
Nova investigação da PF contra Bolsonaro concluiu que ele estimulou iniciativas do governo dos EUA para impor sanções ao Brasil, em represália à ação da qual é réu no STF. O ex-presidente está usando tornozeleira eletrônica, proibido de acessar redes sociais e incomunicável com outros réus. O presidente dos EUA, Donald Trump, publicou ontem uma carta em sua rede Truth Social endereçada ao ex-presidente, na qual voltou a afirmar que o político recebe “tratamento injusto” por aqui e a pedir que o STF encerre o julgamento do ex-líder.
Paulo Henrique Oliveira, estrategista de renda fixa da Daycoval Corretora, destaca que, a despeito do ambiente de maior cautela, os vencimentos mais curtos da curva praticamente não se moveram nesta sexta. A estabilidade evidencia que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) foi bem-sucedido na tarefa de ancorar as expectativas sobre a Selic, uma vez que o mercado segue precificando que a taxa permanecerá em 15% até ao menos o primeiro trimestre de 2026, diz Oliveira.
O estrategista aponta dois vetores de pressão sobre os juros futuros no pregão desta sexta: a falta de consenso sobre uma candidatura de direita ao pleito presidencial de 2026, o que aumentaria as chances de reeleição do presidente Lula e, consequentemente, de continuidade de uma política fiscal pró-gastos, e, também, a maior tensão comercial com os EUA, reforçada após os acontecimentos de hoje. “Depois do que houve com Bolsonaro, o receio é que Trump dobre a aposta e eleve ainda mais as tarifas contra o Brasil”.
As eleições ainda estão longe, mas parece que quanto mais a disputa se aproxima, há menos consenso sobre qual será o candidato de oposição à Lula, diz Oliveira, acrescentando que as reações ao episódio de Bolsonaro sinalizaram que a direita está muito dividida.
No balanço da semana, também houve elevação das taxas futuras, com ganho de inclinação da curva, destaca a equipe econômica do Santander. A ascensão, segundo os economistas, teve como influência a alta nos juros dos títulos americanos e, do lado interno, desdobramentos que aumentaram a percepção de risco sobre o quadro fiscal. “Além disso, a incerteza em torno das tarifas anunciadas pelos EUA contra o Brasil, somada ao risco de retaliação e falta de clareza na resposta do governo, ainda sustenta prêmios elevados em todos os vértices”, comenta o banco.