No dia seguinte ao anúncio, pelo governo Trump, de que os Estados Unidos virão a impor em 1ºde agosto tarifa de 50% sobre a importação de produtos brasileiros, o Ibovespa encontrou alguma proteção na principal ação do índice, Vale (ON +2,29%), para evitar uma perda maior na sessão. Mais cedo nesta quinta-feira, 10, o papel da mineradora chegou a subir mais de 4%, alinhado a outro carro-chefe, Petrobras, que também perdeu força em direção ao fechamento, tanto na ON (+0,17%) como na PN (-0,25%). No fechamento, o índice da B3 mostrava baixa de 0,54%, aos 136.743,26 pontos, entre mínima de 136.014,47 e máxima de 137.471,88 na sessão, correspondente ao nível de abertura.
O giro voltou a subir nesta quinta-feira, hoje a R$ 26,3 bilhões. Na semana, o Ibovespa recua 3,11%, colocando as perdas do mês a 1,52% – no ano, sobe 13,68%. O de hoje foi o menor nível de fechamento para o Ibovespa desde 25 de junho, então aos 135,7 mil pontos.
O dia foi amplamente negativo para os grandes bancos, em baixa entre 1,12% (BB ON) e 3,08% (Itaú PN) no fechamento. Na ponta perdedora do Ibovespa, destaque para Embraer, em queda de 3,70%, pela exposição da fabricante de aviões ao mercado dos Estados Unidos. Também entre as maiores correções do dia apareceram Cosan (-3,03%) e B3 (-2,83%), logo atrás de Itaú PN. No lado oposto, Marfrig (+6,38%), CSN (+5,04%) e CSN Mineração (+2,99%).
“Sessão em que prevaleceu aversão a risco, com Trump, afetando em especial as empresas listadas que têm maior exposição a exportações para os Estados Unidos. Há muitos elementos a serem observados, inclusive políticos na decisão de Trump, mas estruturalmente não muda tanto para Bolsa – ainda há ingresso de fluxo estrangeiro, e essa tendência deve se manter”, diz Felipe Moura, da Finacap, que mantém viés “construtivo” para a Bolsa brasileira apesar da dificuldade de análise, com fatores de grande incerteza no momento.
Ele destaca que, como parte da estratégia de negociação, o presidente americano costuma elevar muito a barra, com um nível de tarifa “absurdo” para abrir conversas, antes de optar por relativo recuo na pretensão inicial.
Para Ian Lopes, economista da Valor Investimentos, o estresse visto hoje, ainda que relativamente moderado ao longo do dia quando comparado ao pós-mercado de ontem, mostra que é impossível contornar tamanho nível tarifário, ainda que a decisão não se ampare, nem se justifique, em critérios econômicos e de comércio exterior. “É preciso esperar para ver como as negociações irão transcorrer”, acrescenta.
Entre janeiro e junho de 2025, observa Helena Veronese, economista-chefe da B.Side Investimentos, os principais produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos foram, pela ordem: óleo bruto de petróleo ou de minerais betuminosos; semimanufaturados de ferro ou aço; café em grãos não torrado; carne bovina; ferro fundido bruto não ligado; celulose; óleos combustíveis e preparações de petróleo.
Ela ressalta também que, conforme dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), o Brasil tem registrado déficits comerciais com os Estados Unidos desde 2009 – ou seja, faz 16 anos. “No período, as importações de produtos americanos superam nossas exportações para o país em US$ 88,61 bilhões”, acrescenta a economista, que destaca em especial o peso dos EUA como investidor direto no Brasil: os principais investidores estrangeiros, com estoque de mais de US$ 350 bilhões e 4 mil empresas instaladas no País.
“As relações entre Estados Unidos e Brasil vão além de ‘apenas’ uma relação comercial, envolvendo trocas bem mais complexas”, acrescenta Veronese.
Dólar
O dólar à vista encerrou a sessão desta quinta-feira, 10, em alta de 0,78%, a R$ 5,5452, passando a acumular valorização de 2,22% na semana. O tropeço do real reflete as incertezas provocadas pela promessa do presidente americano, Donald Trump, de impor tarifas de 50% a produtos brasileiros a partir de 1º de agosto.
Na abertura dos negócios, a moeda americana chegou a superar o nível de R$ 5,60 e atingir máxima a R$ 5,6220, em parte ajustando-se à arrancada do dólar futuro para agosto ocorrida ontem na esteira da divulgação da carta de Trump, quando o mercado à vista já estava fechado.
A onda compradora arrefeceu ainda pela manhã com ajustes e movimentos de realização de lucros. Economistas ouvidos pela Broadcast ponderam que o impacto sobre exportações e o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro é significativo, mas não desastroso. Há também a expectativa de que o nível final das tarifas fique bem abaixo de 50%, o que reduziria bastante os prejuízos à economia doméstica.
Trump costuma adotar postura inicial mais agressiva para obter vantagens em negociações, embora desta vez a imposição das tarifas seja amparada em parte por motivos políticos. O presidente americano citou em sua carta o cerceamento à liberdade de expressão de cidadãos americanos e o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF), que classificou como “caça as bruxas”.
Operadores também apontaram como um dos motivos para o arrefecimento do dólar a informação, da CNN Brasil, de que Bolsonaro avalia entrar em negociação direta com a Casa Branca para tentar reverter parte do tarifaço. A leitura é que a iniciativa de Trump, ao atacar a soberania brasileira, tende a favorecer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, por tabela, diminuir as chances da oposição na corrida presidencial.
O superintendente da Mesa de Mercados do Banco BS2, Ricardo Chiumento, observa que a reação exacerbada do dólar futuro ontem à divulgação da carta de Trump se deu em parte pela liquidez mais modesta do que o usual. Já tradicionalmente com menos negócios a partir das 17h, o mercado estava mais seco em razão do feriado no Estado de São Paulo. Hoje, o dólar futuro para agosto operou em queda firme, com ajustes técnicos.
“Depois de uma abertura muito forte hoje, o dólar à vista arrefeceu bem a alta com o mercado digerindo o real impacto das tarifas de Trump sobre a economia brasileira. Por enquanto, a avaliação é que pode atingir mais algumas empresas específicas que são grandes exportadoras aos EUA”, afirma Chiumento, acrescentando que a expectativa é que as tarifas efetivas sejam menores que 50% após negociações.
À tarde, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o governo estuda um “rol enorme” de medidas, entre tarifárias e não tarifárias, caso o tarifaço de Trump não seja revertido. “Isso não significa que vão ser acionadas, porque o nosso desejo é que até lá isso tenha sido superado”, disse Haddad. Mais cedo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que aplicaria a lei de reciprocidade, cobrando 50% em tarifas dos EUA caso Trump não recue.
O Bradesco estima que a imposição de tarifas de 50% pelos EUA diminuiria em 0,3 ponto porcentual o crescimento do PIB neste ano, com uma redução de US$ 15 bilhões das exportações brasileiras, o equivalente a 0,6% do PIB. “Para manter a conta corrente estável, o câmbio poderia ter uma depreciação da ordem de 6%”, afirma o banco.
Chiumento, do BS2, ressalta que o nível da taxa de juros local tende a mitigar forças de depreciação do real, uma vez que torna muito custoso o carregamento de posições compradas na moeda americana e mantém a atratividade do carry trade. Por ora, a perspectiva é de aumento do diferencial de juros interno e externo, com chances maiores de cortes de juros pelo Federal Reserve e expectativa de manutenção da taxa Selic em 15% até o fim do ano.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) desacelerou de 0,26% em maio para 0,24% em junho, mas superou a mediana dos analistas ouvidos pelo Projeções Broadcast (0,20%). Do lado positivo, houve redução do índice de difusão (de 60% para 54%) e uma leitura qualitativa mais benigna, com menor pressão nos núcleos.
Lá fora, o diretor do Fed Christopher Waller reiterou hoje à tarde que defende um corte de juros pelo banco central americano neste mês, dado que a política monetária já está muito restritiva. Já a presidente do Fed de São Francisco, Mary Daly, vê probabilidade de dois cortes neste ano, com o primeiro em setembro.
Juros
A curva de juros futuros percorreu a segunda etapa do pregão desta quinta-feira, 10, em alta, após a disparada observada ontem em reação ao tarifaço dos Estados Unidos sobre o Brasil. O mercado ainda operou atento aos possíveis efeitos da alíquota de 50% sobre produtos nacionais, enquanto os dados de inflação de junho foram ofuscados pelo aumento da tensão comercial. Mas a percepção de que tanto o governo americano quanto o brasileiro tendem a moderar o tom e chegar a uma solução com impacto menos nocivo para a economia doméstica pode ter contribuído para aliviar a abertura das taxas hoje.
Encerrados os negócios, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) com vencimento em janeiro de 2026 passou de 14,918% no ajuste de quarta para 14,935%. O DI de janeiro de 2027 subiu de 14,159% ontem no ajuste para 14,305%. O DI de janeiro de 2028 aumentou a 13,565%, vindo de 13,414% no ajuste da véspera. O DI do primeiro mês de 2029 avançou de 13,301% ontem no ajuste para 13,450%.
“A curva sofreu pouco hoje se compararmos com os números de fechamento de ontem, uma vez que o anúncio da tarifa dos EUA sobre o Brasil foi feito após o ajuste de quarta”, observa Nicolas Borsoi, economista-chefe da Nova Futura Investimentos. “Há uma percepção de que as tensões terão moderação, com algo no meio do caminho, e que as decisões de ambos os governos não serão tão levadas a ferro e fogo”, diz Borsoi, ponderando que esta pode ser uma precificação arriscada.
Como possível embasamento para essa visão, Borsoi cita que, segundo a CNN Brasil, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) considera negociar diretamente com a Casa Branca para tentar reverter o tarifaço. A situação de Bolsonaro, impedido de concorrer às eleições pelo TSE e réu em ação penal do STF, foi uma das justificativas do presidente dos EUA, Donald Trump, para a ofensiva comercial contra o Brasil.
Hoje, dois dirigentes do Federal Reserve (Fed) discursaram em eventos públicos na parte de tarde, com indicações mais dovish para a política monetária do país e também menos pessimistas sobre o embate comercial. O diretor Christopher Waller reiterou que o BC americano tem espaço para cortar as taxas de juros já em julho. A presidente do Fed de São Francisco, Mary Daly, por sua vez, afirmou ver um certo alívio em relação às tarifas, que não são tão altas como se esperava. Ela acredita que a autoridade monetária americana fará dois cortes de juros em 2025 – o primeiro deles em setembro.
Por aqui, o governo precisa ser cuidadoso na forma como vai reagir ao tarifaço, diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. “Há uma conotação política complicada. Já estamos nos aproximando do período eleitoral e colocar uma tarifa de volta contra os EUA teria um efeito adicional de inflação em um momento que não é interessante, em que está em curso um processo de desinflação”, afirma Vale.
Divulgado hoje pelo IBGE, o IPCA cedeu de 0,26% em maio para 0,24% em junho, acima da mediana das estimativas coletadas pelo Projeções Broadcast, de 0,20%. Embora o índice cheio tenha superado as expectativas, economistas não viram mudança na tendência prospectiva mais comportada para a inflação. Depois do anúncio da tarifa americana de 50% sobre o Brasil, porém, o indicador de junho “virou um assunto morto”, avalia Borsoi.