Em maio, a arquiteta e urbanista paulistana Marina Pereira da Silva, 35 anos, decidiu fazer uma longa viagem de bicicleta pela Europa. Foram cerca de 450 quilômetros pedalados em nove dias, passando por nove cidades da Holanda e Bélgica.
Durante essa jornada, parte feita com um grupo de amigos, parte sozinha, ela vivenciou a infraestrutura cicloviária desses países, a integração do modal com outros meios de transporte e as diferenças em relação ao Brasil. É sobre essa experiência – e o que poderia ser implementado por aqui – que Marina Pereira aborda na entrevista a seguir.
O que faz a infraestrutura cicloviária desses países ser amigável ao ciclista?
Em primeiro lugar, ela proporciona segurança ao ciclista. Isso é essencial para que as pessoas se sintam confortáveis em utilizar a bicicleta, e esses países, especialmente a Holanda, faz isso muito bem. Destaco três pontos importantes: a forma como fazem as separações entre a ciclovia e as faixas dos demais veículos, o modo como são pensadas as interseções semafóricas e, por fim, a qualidade da pavimentação e da manutenção das vias.
Em relação à separação entre a ciclovia e as faixas, o que se vê é uma distância específica que existe, às vezes com um jardim, outras apenas com uma pintura, mas sempre uma distância segura. E isso é bom, pois o ciclista tem espaço para desviar, se necessário. As interseções são muito claras nos cruzamentos e o ciclista tem uma visão ampla de onde ir, de onde parar e onde é mais seguro. Esses cruzamentos são pensados para gerar segurança, pois permite que o ciclista veja e seja visto pelos veículos e também pelos pedestres.
Por fim, destaco a qualidade da pavimentação, além da manutenção das vias. Nos dois países vemos ciclovias muito bem cuidadas, impecáveis. Dificilmente o ciclista passa por buracos e elas não são como as do Brasil. Aqui, o que vemos é que metade da ciclofaixa é uma sarjeta quebrada. E nesses países não tem isso, não vemos má qualidade na manutenção dessas vias. E existe um respeito generalizado ao ciclista, e a bicicleta é entendida como parte do sistema de transporte e está acima do carro na hierarquia, tem prioridade.
Como são as ciclo-rodovias nesses países?
Passei por algumas na Holanda que, geralmente, cruzam grandes áreas rurais ou parques. Nesses locais era comum encontrar pessoas caminhando, praticando esportes ao ar livre, corrida e alguns cadeirantes. Embora eu não tenha identificado nenhuma informação ou sinalização de que elas são exclusivas para bicicletas, lá os automóveis são proibidos. É interessante observar como essas estruturas são usadas por pessoas de diferentes idades, com vários motivos de deslocamento, seja trabalho, escola ou mesmo lazer.
Nos locais em que você dividiu espaço com veículos motorizados, quais estratégias são usadas?
A principal é a redução dos limites de velocidade. Assim, se for uma área urbana, o limite será de 30 km/h a 40 km/h; em áreas rurais o limite é 60 km/h.
Esse é um ponto muito relevante e que gera muita segurança para o ciclista, em saber que aquele veículo não vai transitar numa velocidade maior. E existem outros elementos que acabam ajudando os motoristas a não excederem os limites, que são medidas moderadoras de tráfego como lombadas, chicanas ou estreitamento de vias, estruturas que funcionam e são respeitadas.
Como funciona, nesses países, a integração da bicicleta com o transporte sobre trilhos?
Tive experiências um pouco diferentes na Holanda e na Bélgica, mas, no geral, os dois países permitem que você leve a bike nos trens urbanos e interurbanos. É possível usar a bike no metrô, dentro da cidade, como também para fazer viagens entre cidades e entre países.
Usei a bicicleta para ir da Bélgica até a Holanda com ela dentro do trem, apenas no retorno. Nesse trajeto, tive que fazer algumas baldeações. Então, além de ser permitido o uso da bike, você também tem vagões específicos para o modal. No caso da viagem de um país para o outro, você compra a sua passagem e a da bicicleta, que tem um valor mais baixo. E há vagões específicos para você estacioná-la. Na Bélgica, eu imaginei que esse vagão estaria muito bem demarcado, mas não estava. O tempo para embarque é curto, então é um pouco tenso esse processo. No caso da Bélgica, tive mais dificuldade para embarcar porque o trem não era acessível, não era no mesmo patamar da plataforma, e para entrar com a bike e com minha bagagem foi difícil. Para completar, na baldeação, o elevador estava quebrado e eu precisei descer muitos lances de escada com a bicicleta, gerando insegurança.
Mas quando fiz a troca para o trem da Holanda, realmente foi a melhor experiência da vida para quem é ciclista. Não tive nenhuma dificuldade em acessar o trem, ele era no mesmo patamar, sem degrau, com acesso tranquilo e informação específica sobre onde deixar e como prender a bike.
Outro aspecto é a forma como eles pensaram e planejaram a estação central da Holanda, em Amsterdam: ela é praticamente toda plana e tem um acesso direto e fácil para uma ciclovia.
Quais das estratégias que você viu nesses países da Europa poderiam ser colocadas em prática no Brasil?
A primeira é a questão da redução dos limites de velocidade. É isso que permite ter ruas compartilhadas, oferecendo uma opção à construção de infraestrutura específica, porque nem todas as vias precisam ter ciclovia e ciclofaixas. Outro aspecto que acredito que poderia ser interessante por aqui seria a ligação entre cidades pequenas e médias por meio de ciclovias paralelas às rodovias.
Seria muito interessante se algumas cidades pequenas e médias colocassem a ciclovia como uma alternativa de transporte, seja para lazer ou mesmo para fins de transporte. Isso já com foco em um futuro mais limpo, mais verde, lançando mão de uma estratégia boa e barata, porque ter uma bicicleta é bem mais acessível do que ter um carro ou uma moto.
Como você avalia a segurança para mulheres ciclistas nos países nos quais você pedalou?
Tem uma diferença muito significativa na comparação com o Brasil pelo fato de não se sentir ameaçada, nem insegura. Não tive nenhuma situação de assédio ao longo de toda a viagem, nem mesmo quando fiquei totalmente sozinha na estrada. Acredito que isso se dá pela presença de outras mulheres pedalando, sozinhas, acompanhas, carregando crianças e isso te leva para uma situação de percepção de segurança. Saber que há outras pessoas fazendo o mesmo que você e encontrar com elas é muito significativo. E tudo isso somado ao fato de que são países com baixa criminalidade.