Ciências Forenses e Direito: a Urgência de uma Interconexão pela Verdade e Justiça

No universo jurídico contemporâneo, onde os fatos se sobrepõem às versões, e a verdade precisa ser desvelada com base em elementos objetivos, a contribuição das ciências forenses assume um protagonismo inegável. Falar sobre Justiça, em sua essência mais pura, é também reconhecer a importância da interdisciplinaridade como instrumento de efetividade no processo jurisdicional. O Direito, ainda que estruturado sobre normas e princípios, não subsiste de forma plena quando apartado do saber técnico-científico que o cerca — e é nesse cenário que a Medicina Legal, em especial, desponta como ferramenta indispensável à concretização da verdade real.

A ciência como fundamento da justiça

A atuação jurídica, especialmente nas esferas penal e cível, lida frequentemente com a reconstrução de eventos passados. Contudo, raramente o magistrado, o promotor ou o advogado presenciaram os fatos que irão julgar, acusar ou defender. Assim, dependem de meios de prova — e entre eles, os exames periciais desempenham papel central. A medicina legal, nesse contexto, converte o corpo humano em prova material. Ela revela, por meio de exames cadavéricos, corporais, toxicológicos ou sexológicos, evidências que sustentam ou infirmam as alegações processuais.

Contudo, não se trata apenas de identificar causas de morte. A medicina forense amplia seu espectro ao atuar em questões de lesões corporais, embriaguez, paternidade, avaliação de sanidade mental, tortura, violência sexual, entre outras. A justiça não pode caminhar sozinha. Quando pretende ser instrumento de pacificação e de defesa da dignidade humana, precisa contar com o auxílio das ciências forenses — essa ponte entre o biológico e o jurídico.

O Instituto de Ensino e Pesquisa em Ciências Forenses (IEPCF): um legado que se expande

É nesse contexto que emerge, com merecida visibilidade, o trabalho do Instituto de Ensino e Pesquisa em Ciências Forenses (IEPCF), uma organização não-governamental que há mais de uma década atua na promoção do conhecimento técnico e científico nas áreas de Medicina Legal, Antropologia Forense, Odontologia Forense e Entomologia Forense.

Originalmente sediado em Guarulhos, o Instituto iniciou um novo e promissor ciclo com a inauguração de suas futuras instalações em Mogi das Cruzes, no último dia 12 de abril. A mudança de sede não representa apenas uma alteração geográfica, mas simboliza a maturidade institucional de um projeto que já ocupa espaço de relevância no cenário nacional e internacional das ciências forenses.

Durante sua trajetória, o IEPCF desenvolveu parcerias sólidas com instituições como a UNIFESP, a Faculdade de Odontologia da USP, a Liga Acadêmica de Medicina Legal do Centro Universitário São Camilo, entre outras, fomentando pesquisas desde a Iniciação Científica até o Doutorado. Além disso, o Instituto tem marcado presença constante em congressos e eventos acadêmicos de vulto, contribuindo com publicações que ampliam o debate científico sobre o papel da perícia e do saber técnico na elucidação dos fatos jurídicos.

Uma cerimônia que reverenciou o saber e a memória

A cerimônia de inauguração contou com nomes de destaque da comunidade forense, como a Professora Eugénia Cunha, catedrática da Universidade de Coimbra e atual Diretora do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses de Lisboa. Sua presença abrilhantou o evento e reafirmou os laços de cooperação científica entre Brasil e Portugal, num esforço de internacionalização do saber forense.

Na ocasião, também foram prestadas homenagens emocionantes a dois nomes fundamentais para a história do IEPCF: o Prof. Dr. Wilmes Roberto Gonçalves Teixeira, médico legista de renome internacional e patrono do Instituto, e o Prof. Wilson Roberto Lino, entusiasta e incentivador da iniciativa.

A trajetória do Prof. Wilmes é particularmente simbólica. Reconhecido mundialmente, integrou a equipe de especialistas responsável pelo reconhecimento da ossada do criminoso de guerra nazista Josef Mengele, o chamado “Anjo da Morte”, que após anos escondido sob identidade falsa no Brasil, teve seus restos mortais identificados por meio de técnicas avançadas de perícia forense. Esse trabalho não apenas revelou o poder da ciência na elucidação de um caso histórico, como reposicionou o Brasil no mapa das grandes perícias internacionais. Wilmes foi, assim, um cientista e um humanista, comprometido com a verdade e com a memória histórica.

O novo laboratório do Instituto, batizado com o nome de Wilson Roberto Lino, perpetua o entusiasmo de um educador que sempre acreditou na força transformadora da ciência aplicada ao Direito. A homenagem reforça a convicção de que os legados mais duradouros não se constroem apenas com estruturas, mas com ideias, dedicação e compromisso.

Dr. Luiz Airton Saavedra de Paiva: o farol que guia o Instituto

O IEPCF foi fundado e é dirigido pelo Prof. Dr. Luiz Airton Saavedra de Paiva, um dos maiores expoentes da Medicina Legal no Brasil. Professor Titular de Medicina Legal do Centro Universitário São Camilo, Membro Titular da Academia Brasileira de Medicina Legal e integrante do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo, Dr. Saavedra é mais que um acadêmico: é um formulador de pensamento, um promotor de pontes entre a universidade, a sociedade e os operadores do Direito.

Sob sua liderança, o Instituto tem ampliado suas ações, estimulando não apenas a pesquisa científica, mas a formação humanística e ética dos profissionais das ciências forenses. Dr. Saavedra compreende que a perícia, para ser eficaz, precisa ser técnica, mas também responsável e comprometida com os direitos humanos. A verdade pericial não é neutra: ela precisa estar a serviço da justiça e da dignidade humana.

Um chamado à comunidade jurídica

O IEPCF é um exemplo concreto de como a aproximação entre o Direito e as ciências pode gerar frutos notáveis. Contudo, essa integração ainda encontra resistências e desconhecimento. Muitos operadores do Direito, infelizmente, ainda tratam os pareceres técnicos como elementos acessórios, desconsiderando sua centralidade na reconstrução da verdade dos fatos.

É preciso que advogados, promotores e magistrados estejam atentos a essa realidade. A ciência forense não deve ser convocada apenas em casos excepcionais ou de grande repercussão. Ela deve fazer parte da rotina dos fóruns, das investigações e das decisões judiciais. Da mesma forma, as faculdades de Direito precisam incorporar nos seus currículos, de forma mais profunda e interdisciplinar, o ensino da medicina legal, da criminalística, da antropologia e da genética forense.

A construção de uma justiça mais eficaz, humana e verdadeira passa, inevitavelmente, pela valorização das ciências forenses.

Que o novo ciclo do Instituto de Ensino e Pesquisa em Ciências Forenses seja inspiração para que outras instituições sigam o mesmo caminho, promovendo o diálogo entre saberes e contribuindo para um sistema de justiça mais sólido, técnico e comprometido com a verdade.

Sem ciência, o Direito pode se tornar dogmático e injusto. Sem Direito, a ciência corre o risco de perder sua dimensão ética e social. Juntas, essas áreas constroem uma ponte segura rumo à justiça plena.

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Cristiano Medina da Rocha é advogado Criminalista, Especialista em Direito Constitucional com ênfase em Penal, mestre em Direito Processual Penal pela PUC/SP, Professor de Processo Penal e Constitucional na FIG-Unimesp. Conselheiro da OAB/SP – (19-21)

Insta: @crismedinarocha

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