A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de colocar em vigor, por 90 dias, apenas a tarifa mínima de 10% para os países que não retaliaram os Estados Unidos abriu espaço para uma recuperação do Ibovespa (+3%) e das bolsas de Nova York (Nasdaq, +12%), sob duas interpretações. A primeira, de que a flexibilização afasta as chances de uma recessão na maior economia do mundo. A segunda, de que o governo americano estaria disposto a se sentar para negociar com a China – e esta ganhou ainda mais força após o próprio Trump afirmar que “um acordo será feito com a China e com todos os países”.
O Ibovespa fechou em alta de 3,12%, aos 127.795,93 pontos, e o ganho na carteira foi quase generalizado – de 87, 85 subiram, com exceção de Automob e CPFL Energia, que fecharam estáveis.
Depois de uma manhã de indefinição para o principal índice da B3, que titubeava entre altas e baixas, comunicações de Trump deram um norte firme para as bolsas globais: de alta. Primeiro veio a flexibilização na política tarifária de Trump para países que não retaliaram os EUA por 90 dias, que reforçou a possibilidade de que a maior economia do mundo pode não enfrentar uma recessão econômica – tema de atenção para o mercado financeiro, segundo o analista da Ativa Investimentos Ilan Arbetman. “A política tarifária dos EUA será determinante sobre se os EUA enfrentarão uma recessão, ou não, no segundo semestre”, avalia.
Foi “um recuo importante do Trump com a implementação de tarifas recíprocas, e os mercados reagiram positivamente”, resume o economista Rodrigo Ashikawa, da Principal Asset Management.
O mercado também entendeu que tal recuo nas tarifas recíprocas, ainda que temporário, “é uma demonstração de que Trump está aberto à mesa de negociação, abrindo porta para negociar até com a China”, segundo Arbetman, da Ativa.
Mais para o fim da tarde o republicano disse que os EUA devem firmar um acordo com a China e com os demais países afetados pelas tarifas recíprocas, dando ainda mais fôlego para a recuperação dos índices acionários. Segundo ele, o governo chinês está disposto a negociar as sobretaxas, mas “ainda não sabem como começar” as conversas.
Por ora os EUA aumentaram a tarifa contra a China de 104% para 125%, em retaliação aos 84% impostos pelo país asiático e que devem começar a partir da 00h01 (horário local) do dia 10 de abril de 2025.
Ashikawa, da Principal Asset Management, pondera que ainda há muita volatilidade de comunicação e, consequentemente, dos mercados. “A agressividade em cima da China pelos EUA ainda é um ponto de bastante incerteza para o cenário”, finaliza.
Dólar
A queda de braço entre Estados Unidos e China em torno de tarifas de importação dominou os negócios no mercado cambial nesta quarta-feira, 9. O dólar à vista oscilou mais de 25 centavos de real entre a máxima (R$ 6,0967) e a mínima (R$ 5,8298), acompanhando o comportamento da moeda americana em relação a divisas de países emergentes.
No fim da sessão, o dólar à vista era negociado a R$ 5,8473, em queda de 2,52%. A moeda interrompeu uma sequência de três pregões seguidos de alta, em que acumulou valorização de 6,57%. Apesar do escorregão nesta quarta-feira, o dólar ainda apresenta ganhos de 2,49% em abril.
Pela manhã, a divisa quase tocou R$ 6,10, impulsionada pela decisão da China de elevar tarifas de importação a produtos norte-americanos de 34% para 84%, em uma retaliação à decisão da terça de Donald Trump de aplicar tarifas totais de 104% aos chineses.
O acirramento da guerra comercial avivou os temores de recessão americana e global, empurrando os preços das commodities para baixo, com o barril do petróleo operando abaixo da linha de US$ 60. Também jogava contra as moedas latino-americana a perspectiva de enfraquecimento do yuan, medida utilizada pela China para amenizar o efeito do tarifaço de Trump.
“As moedas emergentes, principalmente as da América Latina, refletem muito a dinâmica das commodities, que estavam em queda livre pela manhã”, afirma o economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsoi. “Vale destacar que os investidores veem o Brasil com um substituto a ativos da China. No dia em que a China sofre e o yuan se deprecia, o real também cai.”
A maré virou após as 14 horas quanto o Trump fez um movimento para evitar uma frente conjunta contra o tarifaço e isolar a China. Em post em rede social, o presidente americano aumentou as tarifas aos chineses para 125%, mas limitou a tarifas a países que não retaliaram os EUA a 10% por 90 dias. Para Brasil, que já estava na faixa mínima de 10%, nada muda.
Na gangorra global do mercado de moedas, a mensagem de Trump fez o dólar ganhar terreno em relação a pares como o euro e iene japonês, mas perder força na comparação com as divisa emergentes e de países exportadores de commodities, com destaque para o real, os pesos mexicano e colombiano, além do rand sul-africano.
As bolsas em Nova York dispararam, com o índice Nasdaq exibindo ganhos superiores a dois dígitos. Os preços do petróleo trocaram de sinal, exibindo alta firme. O contrato do Brent para junho fechou com valorização de 4,23%, a US$ 65,48 o barril. Por aqui, o Ibovespa, que oscilava ao redor da estabilidade, subiu mais de 3%, impulsionado pelos papéis de Petrobras e Vale.
Para Borsoi, da Nova Futura, Trump parece ter percebido que “passou do ponto” com o tarifaço, cujo resultado poderia ser o mergulho da economia americana na recessão. “Em um primeiro momento, a sensação é de alívio nos mercados. Mas ainda é preciso ver se a China está disposta sentar à meda e negociar, cedendo em alguns pontos”, afirma o economista.
Em entrevista coletiva por volta das 16 horas, Trump afirmou que “um acordo será feito com a China e com todos os países” na questão das tarifas de importação. “Quero acordos justos a todos”, disse. Segundo ele, o país asiático quer uma negociação, “mas não sabe como começar”.
Divulgada à tarde, a ata do encontro do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) no mês passado reforçou a perspectiva de que o tarifaço de Trump resulte em mais inflação e menos crescimento. Mais uma vez, o Fed afirmou que a política monetária está bem posicionada para lidar com as incertezas provocadas pelo tarifaço.
Ferramenta de monitoramento do CME Group mostrou, após o recuo de Trump, aumento de chances de início de corte de juros pelo Fed em junho, com probabilidade maior de redução total de 75 pontos-base ao longo de 2025.
“O Fed vai tentar levar o mercado em banho-maria, com um tom bem ameno, sem validar os cortes estimados pelo mercado. A postura é de esperar para ver como as tarifas vão bater na inflação e na atividade”, afirma Borsoi, da Nova Futura.
Juros
Os juros futuros fecharam a sessão desta quarta-feira, 9, em alta, mas bem menor do que o que se via pela manhã. O alívio veio do anúncio do governo Trump de um piso temporário de 10% nas tarifas recíprocas a países que não retaliaram os EUA. A reação das taxas, porém, foi moderada em comparação ao que se viu na Bolsa e no câmbio. O dólar fechou a sessão longe dos R$ 6, em baixa de mais de 2%. O avanço dos rendimentos dos Treasuries foi apontado como limitador de um alívio maior na curva local, que seguiu à tarde apontando a probabilidade zero de corte da Selic este ano.
A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 fechou em 14,805%, de 14,760% ontem no ajuste, e a do DI para janeiro de 2027 subiu de 14,32% para 14,47%. O DI para janeiro de 2029 terminou com taxa de 14,35%, de 14,27%.
As taxas encerraram a manhã subindo em torno de 30 pontos-base, acompanhando a escalada da guerra comercial. A China anunciou aumento das tarifas à importação dos EUA para 84% em nova retaliação à tarifa adicional de 50% determinada ontem por Trump a produtos chineses, totalizando 104%. Nesta tarde, Trump contra-atacou e elevou ainda mais a taxa aos chineses, a 125%, mas aliviou a tensão tarifária a países que não retaliaram os EUA, com redução unilateral da taxa ao piso de 10% por 90 dias. O Brasil já estava sujeito ao piso e, com isso, os benefícios são apenas indiretos.
O recuo de Trump levou o dólar a virar para baixo, o que ajudou a reduzir a pressão sobre a curva doméstica. A moeda encerrou a R$ 5,8473. As taxas porém seguiam com alta expressiva, na medida em que o movimento dos Treasuries também foi moderado, com o retorno da T-Note de 10 anos passando de 4,40% para 4,35%, ainda muito elevado. “A curva lá fora segue abrindo bem. O Federal Reserve pode ter de dar uma atenção maior à inflação, embora agora pareça ter ganho um pouco mais de tempo para decidir o que fazer”, argumenta o economista-chefe da Porto Asset, Felipe Sichel.
Profissionais da área de renda fixa afirmam que a disfuncionalidade no mercado de Treasuries está desorganizando as curvas de juros e no Brasil não é diferente. Para o economista Vladimir Caramaschi, a liquidação de títulos do Tesouro dos EUA provavelmente tem motivos técnicos, relacionados ao desmonte de posições alavancadas que apostavam na convergência de taxas dos títulos e dos futuros de títulos, por chamadas de margem e estresse nos mercados de funding. “Há quem suspeite que bancos centrais, especialmente da China, estariam reduzindo suas posições em Treasuries. Mesmo que o grosso da alta das taxas tenha a ver com essas posições alavancadas, no fundo tudo isso sugere a possibilidade de erosão do papel do dólar”, afirma.
Os preços do petróleo, cuja queda recente aqueceu o debate sobre recuo nos preços dos combustíveis pela Petrobras, subiram, conseguindo recuperar uma parte das perdas. A piora recente do câmbio, porém, deve neutralizar boa parte do alívio que a redução das matérias-primas teriam na inflação, segundo Sichel. “Em reais, os preços estão aumentando”, afirma.
Em função disso e de toda a incerteza vinda do exterior, o economista não acredita ser viável que o Copom possa reduzir a Selic este ano, dado ainda o elevado nível de desancoragem das expectativas. A curva chegou ao fim do dia com apostas de corte da Selic em 2025 zeradas.
Diante o nível de estresse externo, o resultado mais fraco do que o esperado nas vendas do varejo em fevereiro não teve espaço para repercutir na curva de juros. No varejo restrito, o crescimento de 0,5% na margem veio abaixo da mediana de 0,8% e no ampliado, houve queda de 0,4%, ante consenso de estabilidade.